quarta-feira, 31 de outubro de 2012

O ensino da Física no Brasil, segundo Richard Feynman

     Em relação à educação no Brasil, tive ma experiência muito interessante. Eu estava dando aulas para um grupo de estudantes que se tornariam professores, uma vez que àquela época não havia muitas oportunidades no Brasil para pessoal qualificado em ciências. Esses estudantes já tinham feitos muitos cursos, e esse deveria ser o curso mais avançado em eletricidade e magnetismo - equações de Maxwell, e assim por diante.
     Descobri um fenômeno muito estranho: eu podia fazer uma pergunta e os alunos respondiam imediatamente. Mas quando eu fizesse a pergunta de novo - o mesmo assunto e a mesma pergunta, até onde eu conseguia - eles simplesmente não conseguiam responder! Por exemplo, uma vez eu estava falando sobre a luz polarizada e dei a eles alguns filmes polaróides. O polaróide só passa luz cujo vetor elétrico esteja em uma determinada direção; então expliquei como se pode dizer em qual direção está polarizada, baseando-se em se o polaróide é escuro ou claro
     Primeiro pegamos duas filas de polaróide e giramos até que elas deixassem passar a maior parte da luz. A partir disso, podíamos dizer que as duas fitas estavam admitindo a luz polarizada na mesma direção - o que passou por um pedaço de polaróide também poderia passar pelo outro. Mas, então, perguntei como se poderia dizer a direção absoluta da polarização a partir de um único polaróide. Eles não faziam a menor ideia.
     Eu sabia que havia um pouco de ingenuidade; então dei uma pista: "Olhe a luz refletida da baía lá fora".
     Ninguém disse nada. Então eu disse: "Vocês já ouviram falar do ângulo de Brewster?"
     - Sim, senhor! O ângulo de Brewster é o ângulo no qual a luz refletida de um meio com um índice de refração é completamente polarizada.
     - E em que direção a luz é polarizada quando é refletida?
     - A luz é polarizada perpendicular ao plano de reflexão, senhor. Mesmo hoje em dia eu tenho de pensar: ele sabiam fácil! Eles sabiam até que a tangente do ângulo igual ao índice! Eu disse: "Bem?"
     Nada ainda. Eles tinham simplesmente que a luz fletida de um meio com um índice, tal como a baía lá fora, era polarizada: eles tinham me dito até em qual direção ela estava polarizada.
     Eu disse: "Olhem a baía lá fora, pelo polaróide. Agora virem o polaróide".
     - "Ah! Está polarizada!", eles disseram.
     Depois de muita investigação, finalmente descobri que os estudantes tinham decorado tudo, mas não sabiam o que queria dizer. Quando eles ouviram "luz que é refletida de um meio com um índice", eles não sabiam que isso significava um material como a água. Eles não sabiam que a "direção da luz" é a direção na qual você vê alguma coisa quando está olhando, e assim por diante. Tudo estava totalmente decorado, mas nada havia sido traduzido em palavas que fizessem sentido. Assim, se eu perguntasse: "O que é o ângulo de Brewster?", eu estava entrando no computador com a senha correta. Mas se eu digo: "Observe a água", nada acontece - eles não têm nada sob o comando "Observe a água".
     Depois participei de uma palestra na faculdade de engenharia. A palestra foi assim: "Dois corpos..... são considerados equivalentes... se torques iguais... produzirem... aceleração igual. Dois corpos são considerados equivalente se torque iguais produzirem aceleração igual". Os estudantes estavam todos sentados lá fazendo anotações e, quando o professor repetia a frase, checavam para ter certeza de que haviam anotado certo. Então eles anotavam a próxima frase, e a outra, e a outra. Eu era o único que sabia que o professor estava falando sobre objetos com o mesmo momento de inércia e era difícil descobrir isso.
     Eu não conseguia ver como eles aprenderiam qualquer coisa daquilo. Ele estava falando sobre momentos de inércia, mas não se discutia quão difícil é empurrar uma porta para abrir quando se coloca muito peso do lado de fora, em comparação quando você coloca perto da dobradiça - nada!
     Depois da palestra, falei com um estudante: "Vocês fizeram uma porção de anotações - o que vão fazer com elas?"
     - Ah, nós as estudamos, ele diz. Nós teremos uma prova.
     - E como vai ser a prova?
     - Muito fácil. Eu posso dizer agora uma das questões. Ele olha em seu caderno e diz: "Quando dois corpos são equivalente?" E a resposta é: "Dois corpos são considerados equivalentes se torques iguais produzirem aceleração igual". Então, você vê. eles podiam passar nas provas, "aprender" essa coisa todas e não saber nada, exceto oque eles tinham decorado.
     Então fui a um exame de admissão para a faculdade de engenharia. Era uma prova oral e eu tinha permissão para ouvi-la. Um dos estudantes foi absolutamente fantástico: ele respondeu tudo certinho! Os examinadores perguntaram a ele o que era diamagnetismo e ele respondeu perfeitamente. Depois eles perguntaram: "quando a luz chega a um ângulo através de uma lâmina de material com uma determinada espessura, e um certo índice N, o que acontece com a luz?
     - Ela aparece paralela a si própria, senhor - deslocada.
     - E em quanto ela é deslocada?
     - Eu não sei, senhor, mas posso calcular. Então, ele calculou. Ele era muito bom. Mas, a essa época eu tinha minhas suspeitas.
     Depois da prova, fui até esse brilhante jovem e expliquei que eu era dos Estados Unidos e que eu queria fazer algumas perguntas a ele que não afetariam, de forma alguma, os resultados da prova. A primeira pergunta que fiz foi: " Você poderia me dar algum exemplo de uma substância diamagnética?"
     - Não.
     Aí eu perguntei: "Se esse livro fosse feito de vidro e eu estivesse olhando através dele alguma coisa sobre a mesa, o que aconteceria com a imagem se eu inclinasse o copo?"
     - Ela seria defletida, senhor, em duas vezes o ângulo que o senhor tivesse virado o livro.
     Eu disse: "Você não fez confusão com um espelho, fez?"
     - Não senhor!
     Ele havia acabado de me dizer na prova que a luz seria deslocada, paralela a si própria e, portanto, a imagem se moveria para um lado, mas não seria alterada por ângulo algum. Ele havia até mesmo calculado em quanto ela seria deslocada, mas não percebeu que um pedaço de vidro é um material com um índice e que o cálculo dele se aplicava à minha pergunta.
     Dei um curso na faculdade de engenharia sobre métodos matemáticos na física, no qual tentei demonstrar como resolver os problemas por tentativa e erro. É algo que as pessoas geralmente não aprendem; então comecei com alguns exemplos simples para ilustrar o método. Fiquei surpreso porque apenas cerca de um entre cada dez alunos fez a tarefa. Então fiz uma grande preleção sobre realmente ter de tentar e não só ficar sentado me vendo fazer.
     Depois da preleção, alguns estudantes formaram uma pequena delegação e vieram até mim, dizendo que eu não havia entendido os antecedentes deles, que eles podiam estudar sem resolver os problemas, que eles já haviam aprendido aritmética e que essa coisa toda estava abaixo do nível deles.
     Então continuei a aula e, independente de quão complexo ou obviamente avançado o trabalho estivesse se tornando, eles nunca punham a mão na massa. É claro que eu já havia notado o que acontecia: eles não conseguiam fazer!
     Uma outra coisa que nunca consegui que eles fizessem foi perguntas. Por fim, um estudante explicou-me: "Se eu fizer uma pergunta para o senhor durante a palestra, depois todo mundo vai fizer me dizendo: Porque você está fazendo a gente perder tempo na aula? Nós estamos tentando aprender alguma coisa, e você está interrompendo, fazendo perguntas."
     Era como um processo de tirar vantagens, no qual ninguém sabe o que está acontecendo e colocam os outros para baixo como se eles realmente soubessem. Eles todos fingem que sabem, e se um estudante faz uma pergunta, admitindo por um momento que as coisas estão confusas, os outros adotam uma atitude de superioridade, agindo como se nada fosse confuso, dizendo àquele estudante que ele está desperdiçando o tempo dos outros.
     Expliquei a utilidade de se trabalhar em grupo, para discutir as dúvidas, analisá-las, mas eles também não faziam isso porque estariam deixando cair a máscara se tivessem de perguntar alguma coisa a outra pessoa. Era uma pena! Eles, pessoas inteligente, faziam todo o trabalho, mas adotaram essa estranha forma de pensar, essa forma esquisita de autopropagar a "educação", que é inútil, definitivamente inútil!

Uma palestra para as autoridades brasileiras

     Ao final do ano acadêmico, os estudantes pediram-me para dar uma palestra sobre minhas experiências com o ensino no Brasil. Na palestra, haveria não só estudantes, mas também professores e oficiais do governo. Assim, prometi que diria o que quisesse. Eles disseram: "É claro. Esse é um país livre."
     Aí eu entrei, levando os livros de física elementar que eles usaram no primeiro ano de faculdade. Eles achavam esses livros bastante bons porque tinham diferentes tipos de letra - negrito para as coisas mais importantes para se decorar, mais claro para as coisas menos importantes, e assim por diante. Imediatamente, alguém disse: "Você não vai falar sobre o livro vai? O homem que o escreveu está aqui, e todo mundo acha que esse é um bom livro."
     - Você me prometeu que eu poderia dizer o que quisesse. O auditório estava cheio. Comecei definindo ciência como um entendimento do comportamento da natureza. Então perguntei: "Qual um bom motivo para lecionar ciência? É claro que país algum pode considerar-se civilizado a menos que... pá, pá, pá...." Eles estavam todos concordando, porque eu sei que é assim que eles pensam.
     Aí eu disse: "Isso, é claro, é um absurdo, porque qual o motivo pelo qual temos de nos sentir em pé de igualdade com outro país? Nós temos de fazer as coisas por um bom motivo, uma razão sensata; não apenas porque os outros países fazem." Depois, falei sobre a utilidade da ciência e sua contribuição para melhoria da condição humana, e toda essa coisa - eu realmente os provoquei um pouco. Daí eu disse: "O principal propósito da minha apresentação é provar aos senhores que não se está ensinando ciência alguma no Brasil!"
     Eu os vejo se agitar, pensando: "O quê? Nenhuma ciência? Isso é loucura! Nós temos todas essas aulas."
     Então eu digo que uma das primeiras coisas a me chocar quando cheguei ao Brasil foi ver garotos da escolar elementar em livrarias, comprado livros de física. Havia tantas crianças aprendendo física no Brasil, começando muito mais cedo do que as crianças nos Estados Unidos, que era estranho que não houvesse muitos físicos no Brasil - por que isso acontece? Há tantas crianças dando duro e não há resultado.
     Então eu fiz a analogia com um erudito grego que ama a língua grega, que sabe que em seu país não há muitas crianças estudando grego. Mas ele vem a outro país, onde fica feliz em ver todo mundo estudando grego - mesmo as menores crianças nas escolar elementares. Ele vai ao exame de um estudante que está se formando em grego e pergunta a ele: "Quais as idéias de Sócrates sobre a relação entre a Verdade e a Beleza?" - e o estudante não consegue responder. Então ele pergunta ao estudante: "O que Sócrates disse a Platão no Terceiro Simpósio?" O estudante fica feliz e prossegue: "Disso isso, aquilo, e aquilo outro" - ele conta tudo o que Sócrates disse, palavra por palavra, em um grego muito bom. Mas, no Terceiro Simpósio, Sócrates estava falando exatamente sobre a relação entre a Verdade e a Beleza!
     O que esse erudito grego descobre é que os estudantes em outro país aprendem grego aprendendo primeiro a pronunciar as letras, depois as palavras e então as sentenças e os parágrafos. Eles podem recitar, palavra por palavra, o que Sócrates disse, sem perceber que aquelas palavras gregas realmente significam algo. Para o estudante, elas não passam de sons artificiais. Ninguém jamais as traduziu em palavras que os estudantes possam entender.
     Eu disse: "É assim que me parece quando vejo os senhores ensinarem 'ciência' para as crianças aqui no Brasil." (Uma pancada, certo?)
     Então eu ergui o livro de física elementar que eles estavam usando. "Não são mencionados resultados experimentais em lugar algum desse livro, exceto em um lugar onde há uma bola, descendo um plano inclinado, onde ele diz a distância que a bola percorreu em um segundo, dois segundos, três segundos e assim por diante. Os números têm Erros - ou seja, se você olhar, você pensa que está vendo resultado experimentais, porque os números estão um pouco acima ou um pouco abaixo dos valores teóricos. O livro até fala sobre ter de corrigir os erros experimentais - muito bem. No entanto, uma bola descendo em um plano inclinado, se realmente for feito isso, tem uma inércia para entrar em rotação e, se você fizer  a experiência, produzirá cinco sétimos da resposta correta, por causa da energia extra necessária para rotação da bola. Dessa forma, o único exemplo de resultados experimentais é obtido de uma experiência falsa. Ninguém jogou tal bola, ou jamais teria obtidos tais resultados!"
     "Descobri mais uma coisa", eu continuei. "Ao folhear o livro aleatoriamente e ler uma sentença de uma página, posso mostrar qual é o problema - como não há ciência, mas memorização, em todos os casos. Então, tenho coragem o bastante para folhear as páginas agora em frente a este público, colocar meu dedo em uma página, ler e provar para os senhores."
     Eu fiz isso. Brrrrrrrup - coloquei meu dedo e comecei a ler: "Triboluminescência. Triboluminescência é a luz emitida quando os cristais são friccionados..." Eu disse: "E aí, você teve alguma ciência? Não! apenas disseram o que uma palavra significa em termos de outras palavras. Não foi dito nada sobre a natureza - quais cristais produzem luz quando você os fricciona, por que eles produzem luz? Alguém viu algum estudante ir pra casa e experimentar isso? Ele não pode."
     "Mas, se em vez disso, estivesse escrito:  'Quando você pega um torrão de açúcar e o fricciona com um par de alicates no escuro, pode-se ver um clarão azulado. Alguns outros cristais também fazem isso. Ninguém sabe o motivo. O fenômeno é chamado de Triboluminescência.' Aí alguém vai para casa e tenta. Nesse caso, há uma experiência da natureza." Usei aquele exemplo para mostrar a eles, mas não faria qualquer diferença onde eu pusesse meu dedo no livro; era assim em quase toda parte.
     Por fim, eu disse que não conseguia entender como alguém podia ser educado neste sistema de autopropagação, no qual as pessoas passam nas provas e ensinam os outros a passar nas provas, mas ninguém sabe nada. "No entanto", eu disse, "devo estar errado. Há dois estudantes na minha sala que se deram muito bem, e um dos físicos que eu sei que teve sua educação no Brasil. Assim deve ser possível para algumas pessoas achar seu caminho no sistema, ruim como ele é."
     Bem, depois de eu dar minha palestra, o chefe do departamento de educação em ciências levantou e disse: "O Sr. Feynman nos falou algumas coisas que são difíceis de se ouvir, mas parece que ele realmente ama a ciências e foi sincero em suas críticas. Assim sendo, acho que devemos prestar atenção a ele. Eu vim sabendo que temos algumas fraquezas em nosso sistema de educação; o que aprendi é que temos um câncer!" - e sentou-se.
     Isso deu liberdade a outras pessoas para falar, e houve uma grande agitação. Todo mundo estava se levantando e fazendo sugestões. Os estudantes reuniram um comitê para mimeografar as palestras, antecipadamente, e organizaram outros comitê para fazer isso e aquilo.
     Então aconteceu algo que eu não esperava de forma alguma. Um dos estudantes levantou-se e disse: "Eu sou um dos dois estudantes aos quais o sr. Feynman se referiu ao fim de seu discurso. Eu não estudei no Brasil, estudei na Alemanha e acabo de chegar ao Brasil."
     O outro estudante que havia se saído bem em sala tinha algo semelhante a dizer. O professor que eu havia mencionado levantou-se e disse: "Estudei aqui no Brasil durante a guerra quando, felizmente, todos os professores haviam abandonado a universidade: então aprendi tudo lendo sozinho. Dessa forma, na verdade, não estudei no sistema brasileiro. Eu não esperava aquilo. Eu sabia que o sistema era ruim, mas 100 por cento - era terrível!
     Uma vez que eu havia ido ao Brasil por um programa patrocinado pelo Governo dos Estados Unidos, o Departamento de Estado pediu me que escrevesse um relatório sobre minhas experiências no Brasil, e escrevi os principais pontos do discurso que eu havia acabado de fazer. Mais tarde descobri, por vias secretas, que a reação de alguém no Departamento de Estado foi: "Isso prova como é perigoso mandar alguém tão ingênuo para o Brasil. Pobre rapaz; ele só pode causar problemas. Ele não entendeu os problemas." Bem pelo contrário! Acho que essa pessoa no Departamento de Estado era ingênua em pensar que, porque viu uma universidade com uma lista de cursos e descrições, era assim que era.


*Extraído do livro "Deve ser brincadeira, Sr. Feynman!" (título original: "Surely You´re Joking, Mr. Feynman!"), publicado originalmente em 1985, nos Estados Unidos. O autor, Richard P Feynman, nasceu no ano de 1918 no estado de Nova Iorque, nos EUA. Estudou física no M.I.T. e em Princeton, e lecionou em Cornell e no Instituto de Tecnologia da Califórnia. Deu importantes contribuições à Física, participou do Projeto Manhatan e foi considerado uma das mentes mais criativas de seu tempo. Ganhou o prêmio Nobel em 1965 e faleceu em 1988. Na década de 50 ele viveu e lecionou por quase um ano na cidade de Rio de Janeiro.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Deus e Einstein

E para divertir nossa sexta-feira, segue o quadrinho do genial Carlos Ruas, criador de Um Sábado Qualquer


Bom finde a todos

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Admirável Mundo Novo x 1984


    Bom doidinhos. Neste post quero falar de dois livro clássicos de ficção científica, leitura indispensável para qualquer amante de um bom livro. Iniciando por ordem cronológica, iniciarei falando de Admirável Mundo Novo (Brave New World), de Aldous Huxley, publicado em 1932, e depois falarei também do livro 1984 (Nineteen Eight Four), de George Orwell, publicado em 1948. Os dois livros falam de um futuro distópico, que tratam sobre domínio, liberdade, manipulação, e traçam paralelos muito interessantes com a realidade.
     No futuro hipotético de Admirável Mundo Novo, as pessoas são pré-condicionadas biologicamente e condicionadas psicologicamente a viverem em respeito e harmonia com as leis e regras sociais, em uma sociedade organizadas por castas. A história se passa em 751 d. F. (depois de Ford) e inicia contando a visita de um grupo de alunos ao Centro de Incubação e Condicionamento de Londres. Nela o diretor apresenta o processo de fecundação, onde cada novo ser é dividido em classes sociais, sendo os Alfas a casta mais alta, detentores do conhecimento, os Betas, detentores de habilidades específicas para realização das tarefas. E as castas inferiores são Gama, Delta e Ipsilons, que são mão de obra. Estes homens da casta inferiores eram gerados por um processo chamado Bokanovsky (noventa e seis gêmeos retirado de um óvulo só) e tratados pré-natalmente com álcool e outros químicos para controlar o desenvolvimento. Durante o crescimento do bebê, eram submetidos a processos hipnopédicos e condicionamento intelectual, anos ouvindo textos e máximas didáticas repetidas vezes no berços e outras técnicas. Isso garantia que todos respeitassem as leis impostas e vivessem em harmonia. Nessa sociedade, não existe sexo para procriação, somente para prazer, e também não existe o conceito de família. Os homens não tem esposas, nem filhos, nem amantes por quem possam sofrer emoções violentas. Qualquer dúvida e incerteza é controlada por uma droga, a "soma", livre, distribuída pelo governo e sem efeitos colaterais. Nessa sociedade as pessoas são felizes, sentem-se bem, vivem em harmonia. O segredo da felicidade é amar oque se é obrigado a fazer
     Nessa "fábrica de pessoas" trabalham Lenina Crowey e Bernard Marx. Lenina (o nome é uma referência a Vladimir Lenin) é uma beta, linda, condicionada a ser feliz e não amar, realizar suas tarefas na fábrica e servir todos os homens. Bernard Marx (referência a Karl Marx) é um Alfa-mais, insatisfeito com o mundo em que vive, estranho para a sociedade que tentar relutar contra ela para sentir as reais emoções. Ele tem idéias diferentes sobre os esportes e o consumo de soma, pela irregularidade da vida sexual, e recusa-se a obedecer os ensinamentos de Ford. Bernard resolve viajar, juntamente com Lenina, para uma "reserva", o último reduto da civilização antiga. Lá viviam setenta mil índio e mestiços, absolutamente selvagens, sem nenhuma comunicação com o mundo civilizado, conservando seus hábitos e rituais antigos e repugnantes. Durante essa viagem eles conhecem Linda, ex-mulher do Diretor da Incubadora que ficou perdida na reserva durante uma visita anos atrás, e seu filho John, que nunca conheceu o mundo civilizado, embora consiga receber uma educação sobre a língua e a cultura civilizada. Bernard vê a possibilidade de ganhar respeito e derrubar o Diretor da Incubadora levando os dois para apresentar de exemplos de selvagens para a civilização. Linda acaba sendo rejeitada pela sociedade em virtude de sua aparência horrorosa, e pelo fato de ter tido um filho, ato considerado obsceno e impensável e ter crença religiosa era ato de ignorância  John torna-se o centro das atenções e todos desejam vê-lo. O diretor fica desmoralizado e pede demissão da fábrica. Bom, não irei contar toda a estória para não tirar a graça de quem quiser ler.
     Em 1984, George Orwell criou um futuro dividido em três grandes potências: a Oceania (abrange Américas, Austrália, metade sul da África e Inglaterra), a Eurásia (Europa e Rússia) e a Lestásia (China, Japão, Coréia, parte da Índia e países do sudeste da Ásia). O norte da África e o oriente próximo são territórios em frequentes disputas pelas três potências. O livro conta a história de um funcionário do Ministério da Verdade (onde se fabricam verdade, algo como a mídia atual) da Oceania, Winston Smith (referência a Winston Churchill), que vive em uma sociedade totalitária governado pelo Grande Irmão (Big Brother em inglês, isso mesmo foi esse livro que inspirou o programa de TV). Na sala de seu apartamento tem uma Teletela (em todos cantos da cidade tem uma) que é um dispositivo que o governo pode ver e ouvir tudo oque acontece, e pode transmitir ordens. Smith não tem muitas lembranças se sua infância e nem dos anos anteriores à mudança política. Diariamente há um evento chamado Dois Minutos de Ódio, onde todos os cidadãos devem parar seu trabalho para atacar histericamente com gritos e xingamentos o traidor e foragido Emmanuel Goldstein, e depois adorar o Grande Irmão. O governo da Oceania é composto pelos Ministério da Verdade é responsável por alteração de documentos históricos, Ministério do Amor que espiona e controla as pessoas, Ministério da Paz lida com guerra e Ministério da Fartura é responsável pela fome.
     O controle da população se dá principalmente por medo e totalitarismo, espionando as pessoas pelas Teletelas espalhadas em toda cidade e qualquer pessoa que esboça alguma ponta de ideia contrária à ideologia do Partido é torturado pelo Ministério do Amor. Para controlar o pensamento das pessoas o Ministério da Verdade está desenvolvendo um novo idioma, chamado de Novilíngua. Ao contrário das línguas normais, que vão aumentando o número de termos novos e palavras, a Novilíngua tem vários termos retirados de seu dicionário, principalmente sinônimos e antônimos. Por exemplo a palavra mau não existe em Novilíngua. Se temos a palavra bom, o oposto seria imbom, sendo o prefixo im indicando que é o antônimo. O principal motivo para redução de palavras é que essa redução reflete nos pensamentos das pessoas, dificultando as idéias e facilitando o controle, quanto mais restrita a língua mais restrito é o pensamento das pessoas. As principais palavras novas da Novilínguas são Crimidéia, que é o crime ideológico, pensamentos ilegais, Duplipensar, que significa duplicidade de pensamentos, saber que está errado e se convencer que está certo, e Impessoa, uma pessoa que não existe mais e todos seus registros históricos devem ser apagados. No livro,  Orwell expõe a Teoria da Guerra, onde o objetivo não é vencer o inimigo nem lutar por uma causa, e sim manter o poder das classes altas, e limitando a acesso a cultura, educação, saúde e outros recursos básicos para a classe baixa, mantando uma Guerra constante. Algo muito parecido com o que ocorre hoje em dia nos EUA.  No enredo da estória, Winston Smith conhece Júlia, uma bela funcionária do Ministério da Verdade e acaba se apaixonando e se envolvendo com ela. Júlia tem idéias contra o partido, e acaba envolvendo Winston nessas atividades, e a partir daí ele é perseguido pelo partido e, enfim também não quero estragar a história se alguém ainda pretende ler o livro.
     Mas esses dois livros são clássicos da literatura de ficção científica (embora alguns considerem como ficção política) e muitas de suas previsões foram realizadas. Traçando um paralelo entre os dois livros: em 1984 os livros eram censurados e em Admirável os livros não despertava os interesses das pessoas, pois ninguém tinha motivos para ler. Em 1984 a informação era privada aos governantes e em Admirável a informação é tanta que as pessoas se tornaram passivas. Em 1984 a verdade é escondida da população e em Admirável a verdade é soterrada num mar de informações irrelevantes. Em 1984 as pessoas eram controladas pela dor e medo e em Admirável as pessoas eram controladas pelo prazer. Em 1984 o ódio nos destruiria e em Admirável o amor nos destruiria.
     Muitas semelhanças com a realidade né? Mas o mais interessante nos dois livros é que as pessoas são controladas e nem percebiam. Hoje somos controlados e nem percebemos. Em 1984 o partido sabia dos pensamentos da pessoas pelas Teletelas que escutavam as pessoas em todos lugares, hoje colocamos nossos pensamentos livremente em Twitters e Facebooks. Em Admirável a verdade era escondida embaixo de um monte de informações inúteis, hoje em dia temos a televisão e a internet proporcionando isso. Em 1984 as pessoas eram controladas por medo e hoje temos as notícias de guerras e crimes nos jornais. Em Admirável as pessoas eram controladas pelo prazer e hoje temos o carnaval, futebol, consumismo, bares e festas proporcionando esse prazer. Enfim, podemos fazer muito mais comparações, mas recomendo que leiam esses livro e tirem suas próprias conclusões.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

A História da Quarta Dimensão

     No ano de 1905, um jovem cientista chamado Albert Einstein publicou três artigos que revolucionaram o mundo moderno. Em um deles, ele tenta explicar o movimento Browniano (movimentos aleatórios de partículas sobre a água) usando a teoria atômica, que ainda não era bem aceita na época. Em seu segundo artigo, sobre o efeito foto-elétrico (produção de corrente elétrica através usando luz), ele usa a teoria quântica de Max Plank, publicada em 1900, para explicar o fenômeno. Mas foi seu terceiro artigo o mais revolucionário e conhecido Teoria da Relatividade, onde ele introduz o conceito do Tempo como sendo a Quarta Dimensão. Mas antes dele, a Quarta Dimensão já era muito discutida e comentada entre os grandes cérebros da Europa, sendo muitas vezes tratada como misticismo, influenciou muitos trabalhos de cientistas, livros de grandes escritores e obras de artes de gênios.
     O que é Dimensão? Dimensão é algo que podemos mensurar, medir, seja o comprimento, a temperatura, o tempo, etc.... Na Física as dimensões são usadas para descrever fenômenos observados, como os movimentos das estrelas, trajetórias de balas de canhões. A Física Clássica, descreve o Espaço usando três dimensões, a largura, a altura e o comprimento. Essas três dimensões são de fácil compreensão para nós, pois nós crescemos e vivenciamos ela em nosso dia-a-dia. Tentar imaginar uma quarta dimensão espacial dá um nó em nosso cérebro, fica bem além de nossas limitações, e foi aí que Einstein sugeriu uma quarta Dimensão não espacial, e sim temporal. Mas essa discussão começou bem antes de dele.
     Euclides, em seu livro Os Elementos em 300a.C., fez uma compilação dos conhecimentos de sua época, sobre objetos geométricos em até 3 dimensões espacias (largura, altura e profundidade). Esse livro foi a bíblia dos matemáticos e cientistas durante quase 2000 anos seguintes, e serviu de alicerce para toda ciência do renascimento, inclusive a Mecânica Newtoniana. O sucesso da geometria espacial e a impossibilidade de visualizar uma quarta dimensão espacial fizeram que a procura de uma geometria de mais dimensões fosse desestimulada, e os poucos que se atreviam  eram ridicularizados. No século XIX, um matemático alemão chamado Georg Bernhard Riemann, foi o primeiro a estabelecer os fundamentos matemáticos das geométricas no espaço com maior número de dimensões. Riemann mudou o curso da matemática para o século que se seguiu, demonstrando que estes universos, por mais estranhos que possam parecer, são completamente coerentes e obedecem à sua própria lógica interna. Para visualizar algumas de suas idéias, pense em empilhar muitas folhas de papel uma sobre a outra. Agora imagine que cada folha representa todo um mundo e que cada mundo obedece às suas próprias leis, diferentes daquelas de todos os outros. Seres inteligentes poderiam habitar alguns desses planetas, ignorando por completo a existência dos outros.
     Normalmente, a vida em cada um desses mundos paralelos prossegue independente do que se passa nos outros. Em raras ocasiões os planos podem se cruzar e rasgar o próprio tecido do espaço, o que abre um buraco entre esses dois universos. Como o buraco de minhoca que aparece em Jornadas nas Estrelas, essas passagens tornam possível a viagem entre esses mundos. Usando esse conceito, o matemático Charles L. Dodgson, que lecionava na Universidade de Oxford, escreveu vários livros, com o pseudônimo de Lewis Carroll, usando essas estranhas idéias matemáticas. Quando Alice cai no buraco de coelho ou atravessa o espelho, ela entra no País das Maravilhas, um lugar estranho onde gatos desaparecem, cogumelos mágicos transformam crianças em gigantes e o Chapeleiro Maluco celebra desaniversários. Não é de  surpreender que Carroll encontrou entre as crianças uma receptividade muito maior a essas idéias que entre os adultos, cujas idéias preconcebidas sobre espaço e lógica vão se tornando mais rígidas com o passar do tempo. De fato, a teoria de dimensões adicionais do Riemann tornou-se parte permanente da literatura e do folclore infantil, dando origem a outras obras clássicas como a terra de Oz de Dorothy e a Terra do Nunca de Peter Pan.
   Contudo, sem nenhuma confirmação experimental ou motivação física imperativa, essas teorias de mundos paralelos definharam como ramo da ciência. Ao longo de dois milênios, cientistas se detiveram ocasionalmente na ideia de dimensões adicionais, somente para descartá-las como não passível de teste e portanto tola. Embora fosse matematicamente intrigante, a teoria de geometrias mais elevadas de Riemann foi posta de lado como brilhante mas inútil. Os cientistas dispostos a estudá-las logo se viram ridicularizados pela comunidade científica. O espaço multidimensional tornou-se o último refúgio dos místicos, excêntricos e charlatões. Em várias situações a ciência e o misticismo se confundem. Como disse o escritor de ficção científica Arthur C. Clarke: "Mágica é qualquer tecnologia suficientemente avançada."
    Para podermos visualizar melhor a quarta dimensão, vamos primeiro visualizar um mundo em duas dimensões, que seria um mundo plano. Um livro que ilustra bem como seria a vida em um mundo bidimensional, escrito em 1884 pelo clérigo Edwin Abbot, é o Flatland: A Romance of Many Dimensions by a Square. Por causa do intenso fascínio público pelas dimensões adicionais, o livro foi um sucesso instantâneo na Inglaterra. Abbot usou o a controvérsia em torno da quarta dimensão como um veículo de mordaz crítica social e sátira. Em Flatland, seus habitantes os Flatlanders ou Chatolandenses são figuras geométricas bidimensionais. O herói do romance, Sr. Quadrado, é um cavaleiro conservador que vive em uma sociedade estratificada. As mulheres, ocupando o escalão mais baixo da hierarquia social, são meras linhas, os nobres são polígono, ao passo que os Sumos Sacerdotes são círculos. Quanto mais lados as pessoas têm, mais elevada é sua categoria social.
     Discutir a terceira dimensão é estritamente proibido, e quem quer que a mencione é condenado a severa punição. Um dia Sr. Quadrado tem sua vida virada de cabeça para baixo quando ele é visitado por um misterioso Lorde Esfera, um ser tridimensional. Aos seus olhos, Lorde Esfera parece um círculo que pode mudar de tamanho magicamente. Lorde tenta explicar que vem de um outro mundo, chamado Spaceland, onde todos os objetos têm três dimensões. Quadrado não fica convencido, então Lorde Esfera retira Sr. Quadrado do mundo bidimencional e o joga em Spaceland. é uma experiência fantástica, quase mística para o Quadrado. Ao voltar, Quadrado tenta  a contar ao seus conterrâneos as maravilhas da terceira dimensão, os Sumos Sacerdotes o tomam por louco falastrão, e é condenado a passar os resto de suas vidas em uma prisão.
     Apesar do final pessimista, o livro de Abbot foi muito importante pela popularização de uma idéia de como seria uma visita a um mundo de dimensões múltiplas. Para imaginar uma viagem interdimensional, imagine arrancar Sr. Quadrado de Flatland e jogá-lo no ar. Digamos que, enquanto flutua por nosso mundo tridimensional, ele topa com um ser humano. Como Square nos veria? Como seus olhos bidimensionais só podem ver fatias planas de nosso mundo, um ser humano lhe pareceria um objeto feio e assustador. Primeiro ele veria duas figuras ovais de couro a sua frente, nossos sapatos. Quando é arrastado para cima essas duas figuras mudam de cor e forma e se transformam em dois círculos de tecido, as nossas pernas, até  se misturarem em um único círculo ovalado, nossa cintura. Depois aparecem mais dois círculos, os braços e mudam de cor, a cor de nossa camisa, e conforme continuam subindo os três círculos se junto em um só círculo de carna, nossa cabeça. Para ele, os misteriosos seres humanos são um amontoado apavorante de círculos e formas em constante mutação.
     De maneira semelhante, se fôssemos arrancados de nosso universo tridimensional e arremessados na quarta dimensão, constataríamos que o senso comum se torna inútil. Enquanto derivamos pela quarta dimensão, bolhas e formas estranhas surgem do nada diante de nosso olhos, mudando de forma e cor constantemente. E para reconhecermos diferentes criaturas quadridimensionais teríamos que distingui-las pelas diferenças no modo que essas bolhas mudam.
     Durante muitos anos, os cientistas tentavam "ver" a Quarta Dimensão". E foi um matemático inglês chamado Charles Hinton o primeiro a desenvolver algumas técnicas para "visualizar" a Quarta Dimensão. Ele foi o primeiro a visualizar um Hipercubo (cubo na quarta dimensão), também conhecido como Tesseract. Para chegar lá, Hinton se deu conta que por mais que tentamos ver a quarta dimensão, só conseguimos enxergar as sombras dos objetos quadridimensionais no plano tridimensional. Usando a analogia do Flatland, ao arremessarmos um chatôlandes no espaço ele continuará a enxergar bidimensionalmente, ele só verá secções planas dos objetos espaciais. Mas ele pode visualizar a sombra dele no plano. Na figura ao lado na parte de cima mostra a sombra de um cubo no plano bidimensional e a sombra de um hipercubo no espaço tridimensional. Outra maneira de visualizar seria fazer um desdobramento do cubo sobre o plano. Na figura ao lado na parte de baixo mostra o desbobramento do cubo sobra um plano e o desdobramento de um hipercubo sobre o espaço.
     O conceito de quarta dimensão penetrou tão profundamente no clima intelectual do final do século XIX que até dramaturgos fizeram troça dele. Em 1891, Oscar Wilde escreveu uma sátira sobre histórias de fantasma, "The Canterville Ghost", que zomba das proezas de uma certa ingênua "Psychical Society" (uma referência à Society for Psychical Research). Wilde evocou um fantasma resignado que encontra os recém-chegados locatários americanos de Canterville. Escreveu ele: "Evidentemente não havia tempo a perder, assim, adotando precipitadamente a Quarta Dimensão do Espaço como um meio de escapulir, ele (o fantasma) desapareceu através dos lambris e a casa ficou tranquila".
     Uma contribuição mais séria para a literatura da quarta dimensão está nas obras de H. G. Wells. Em seu romance de 1894, A Máquina do Tempo, Wells combinou vários temas matemáticos, filosóficos e políticos. Popularizou uma nova ideia em ciência, a de que a quarta dimensão poderia também ser vista com tempo, não necessariamente como espaço:
"Claramente... todo corpo real deve ter extensão em quatro direções: deve ter Comprimento, Largura, Espessura e Duração. Mas por uma enfermidade natural da carna... somos propensos a não notar esse fato. Há na realidade quatro dimensões, três que chamamos de raias do Espaço, e uma quarta, o Tempo. Há, contudo, uma tendência a inferir uma distinção irreal entre as três primeiras dimensões e a última, porque ocorre que nossa consciência se move intermitentemente numa única direção ao longo da última desde o início até o fim de nossas vidas."
     No conto "The Plattner Story", Wells chegou a brincar com o paradoxo da lateralidade. Gottfried Plattner, um professor de ciências está realizando um elaborado experimento químico, mas seu experimento explode e o lança em outro universo. Quando ele volta do outro mundo para o seu, ele descobre que seu corpo foi alterado de uma curiosa maneira: seu coração está do lado direito e ele se tornou canhoto. Quando os médicos o examinam ficam estupefatos ao constatar que todo o corpo dePlattner foi invertido, uma impossibilidade biológica no mundo tridimensional: "A curiosa inversão dos lados direito e esquerdo de Plattner é a prova que ele foi transportado do nosso espaço para a Quarta Dimensão...". Em um mundo bidimencional, um chatôlandes pode ser arrancado do plano, jogado no espaço tridimensional, girado e posto de volta no plano, com seus lados invertidos.
    A Quarta Dimensão também entrou na arte dos anos 1890. Foi entre os cubistas que se desenvolveu a primeira e mais coerente teoria da arte baseada nas novas geometria. As pinturas de Picasso (ao lado) são um exemplo, mostrando a clara rejeição de perspectiva, com faces de mulheres vistas simultaneamente de vários ângulos. Em vez de um único ponto de vista, as suas pinturas mostram várias perspectivas, como se fossem pintadas por alguém da quarta dimensão. Certa vez Picasso foi abordado por um estranho que o reconheceu e perguntou: por que ele não podia desenhar as pessoas como elas realmente eram? Por que tinha de distorcer a aparência das pessoas? Picasso pediu então ao homem que lhe mostrasse fotografias de sua família. Depois de olhar atentamente, ele respondeu: "Ah dua mulher é realmente tão baixa e chata assim?" Para Picasso, qualquer imagem por mais realista que fosse, dependia da perspectiva do observador.
     Os pintores abstratos tentaram não só visualizar os rostos pintados quadridimensionalmente, como tentaram retratar o tempo como a quarta dimensão. Na pintura Nu descendo uma escada de Marcel Duchamp vemos uma representação borrada de uma mulher, com número infinito de suas imagens superpostas ao logo do tempo à medida que ela desce as escadas. É assim que uma pessoa quadridimensional perceberia as pessoas, vendo todas as sequencias de tempo simultâneamente caso o tempo fosse a quarta dimensão. E influenciado pelo Tesseract de Hinton, Salvador Dali pintou seu famoso quadro Christus Hipercubus (ao lado), que retrata Cristo sendo crucificado numa cruz quadridimensional.
   

     A quarta dimensão penetrou também na Rússia Czarista. Em Os Irmão Karamazov, de Fiodor Dotoiévski, o protagonista Ivan especula sobre a existência de outras dimensões e geometrias não-euclidianas durante uma discussão sobre a existência de Deus. Em razão de eventos históricos que se produziram na Rússica, a quarta dimensão iria desempenhar um curioso papel na Revolução Bolquevique.Esse estranho interlúdio na história da ciência é importante porque Vladmir Lenin iria participar do debate sobre quarta dimensão, que iria exercer poderosa influência sobre a ciência da ex-União soviética nos anos seguintes (pelos físicos russos, claro).
     Depois que o czar esmagou a revolução de 1905, uma facção chamada otzovistas se formou no seio do partido bolchevique. Eles sustentavam que os camponeses não estavam prontos para o socialismo; para prepará-los, os bolcheviques deveriam atraí-los por meio da religião e do espiritualismo. Para apoiar suas visões, os otzovistas faziam citações da obra do físico e filósofo Ernst Mach, que havia escrito eloquentemente sobra a quarta dimensão e a recente descoberta da radioatividade  Os otzovistas ressaltavam que a descoberta da radioatividade por Henri Becquerel e do rádio por Marie Curie em 1896 haviam inflamado um furioso debate nos círculos intelectuais. Parecia que a matéria, que os gregos pensarem ser eterno e imutável, agora podia se desintegrar lentamente, e a energia podia reaparecer. Novos experimentos mostraram que os fundamentos da física newtoniana estavam se esboroando. Para alguns Mach era um profeta que os iria retirar da barbárie. No entanto ele apontava para direção errada, rejeitando o materialismo e declarando que o espaço e tempo é produto de nossas sensações.
     Criou-se uma cisão entre os bolcheviques. Seu líder, Vladimir Lênin, ficou horrorizado. Fantasmas e demônios seriam compatíveis com o socialismo? Em 1908, exilado em Genebra, ele escreveu um imenso volume filosófico, Materialismo e Empirocriticismo, defendendo o materialismo dialético da violenta investida do misticismo e da metafísica. Para Lênin, o misterioso desaparecimento da matéria e energia não provava a existência de espíritos. Segundo ele isso significava que estava surgindo uma nova dialética que iria abarcar tanto a matéria quanto energia. Não mais seria possível vê-las como entidades separadas, como fizera Newton. Um novo princípio de conversação era necessário. (Lênin desconhecia que Einstein havia proposto o princípio correto três anos antes) Além disso Lênin questionou a aceitação pressurosa da quarta dimensão de Mach. Primeiro louvou Mach, que "levantou a questão muito importante e útil de um espaço de n dimensões como espaço concebível". Em seguida censurou por não ter enfatizado que somente as três dimensões podiam ser verificadas experimentalmente. A matemática pode explorar a quarta dimensão e o mundo do possível, e isso é bom, escreveu Lênin, mas o czar só pode ser derrubado na terceira dimensão!
     Lutando no campo de batalha da quarta dimensão e da nova teoria da radiação, Lênin precisou de anos para extirpar o otzovismo do partido bolchevique. Acabou contudo por vencer a batalha pouco antes da deflagração da Revolução de Outubro de 1917.