Atualmente vivemos uma discussão sobre o que vale a pena pesquisar e o que não vale, que não se deve gastar com ciência de base, apenas com o que se pode ciência aplicada, como se realmente existisse conhecimento útil e conhecimento inútil. Então vou dedicar esse post para contar aqui algumas histórias sobre conhecimento "inútil" que acabaram transformando o mundo, quando descobriram a sua utilidade anos/décadas depois. Vamos explorar, usando os exemplos da geometria não euclidiana e da álgebra booleana, como ideias puramente teóricas acabaram revolucionando a ciência.
Geometria não Euclidiana: quando o espaço se curvou
As 3 geometrias |
Gauss aprovando o blog |
Álgebra Booleana: a lógica por trás dos computadores
George Boole |
Em 1830, Michael Faraday projetou o primeiro Relé, que é um interruptor eletromecânico, ou seja, é uma chave que liga e desliga usando eletricidade e magnetismo (um emprego muito simples e comum do relé é na geladeira, onde é conectado ao termostato, ligando e desligando a geladeira conforma a temperatura desejada). Mas somente no início do século XX que os relés começaram a ser empregados como circuitos lógicos para implementar as portas lógicas baseadas nos princípios da álgebra Booleana. Na década de 1920 os relés foram gradualmente substituídos pelas válvulas termiônicas, por serem amis rápidos e confiáveis. Em 1938 o pai da Teoria da Informação Claude Shannon foi o primeiro a formalizar o vínculo entre álgebra booleana e circuitos lógicos, e em 1947 foi inventado o transistor, por John Bardeen, Walter Bratain e Willian Shockley, revolucionando a eletrônica, além de serem mais rápidos e confiáveis ainda, também permitiam a miniaturização, abrindo caminho para os computadores modernos.
Número imaginário: do absurdo à realidade
Por séculos, o problema da raiz quadrada negativa (√-1) incomodou os matemáticos. Já que não existia um número real que multiplicado por ele mesmo daria um número negativo, esse problema foi considerado impossível, até que por volta de 1500 os matemático começaram a explorar soluções para equações cúbicas, sim aquelas que deixam todos alunos de cabelo em pé. Um desses caras foi o matemático italiano Girolamo Cardamo, que ao tentar resolver algumas dessas equações percebeu que apareciam raiz quadrada de um número negativo. Como não fazia muito sentido resolveram deixar pra lá e ignoraram os resultados, chamando-os de fictícios ou impossíveis.
Já no século XVII, o filósofo e matemático francês René Descartes deu o nome de "imaginário" para esses números. Ele usou esse termo de forma pejorativa, como se os números fossem apenas invenção da nossa cabeça. Já no século seguinte o matemático suíço Leonhard Euler entrou em cena e decidiu levar esses números a sério. Ele criou o símbolo i para representar a raiz quadrada de -1, ou seja, i = √-1. Com isso os números imaginários ganharam uma identidade própria e começaram a ser utilizados em cálculos complexos. Euler também descobriu uma relação incrível entre números imaginários e funções trigonométricas, conhecida como Fórmula de Euler:
essa é considerada uma das fórmulas mais belas da matemática pois conecta cinco números fundamentais: 0, 1, e, i e π.
No início de 1800 o grande matemático alemão Carl Gauss, já citado anteriormente, deu um passo além. Ele percebeu que os números imaginários não eram apenas um truque matemático, mas sim uma poderosíssima ferramenta. Ele os integrou com o sistema numérico, criando os números complexos, que combinam uma parte real com uma parte imaginária, do tipo a + bi.
Com o tempo encontraram inúmeras aplicações para os números imaginários e complexos. Por exemplo, durante o séc. XVIII quando começaram a desenvolver os primeiros estudos da eletricidade e dos circuitos elétricos, várias das fórmulas desenvolvidas na época, como a famosa lei de Ohm (V = R.I) funcionavam muito bem, e de maneira simples quando se tratava de corrente contínua utilizando os números reais. Porém quando começaram a desenvolver os circuitos de corrente alternada, no fim do séc. XIX, os números reais não conseguiam fazer isso de maneira simples, já que os valores de corrente e tensão varia com o tempo. E é aí que os números complexos entram em jogo, onde a parte real do par complexo corresponde o valor de pico (mais alto) da corrente/tensão, e a parte imaginária representa a fase (oscilação) do mesmo, podendo ser aplicado nas mesmas fórmulas desenvolvidas anteriormente.
Há também aplicações na física quântica para descrever o movimento das partículas subatômicas, em processamento de sinais em tecnologias Wi-Fi e GPS e na computação gráfica para criar efeitos visuais e animações. Na próxima vez que alguém disser que uma ideia é "inútil", terá pelos menos 3 exemplos mostrando ao contrário. A ciência básica não é um luxo, é a semente da inovação. E como vimos, as vezes é necessários esperar décadas para colher seus frutos. Afinal, qual é a ideia doida de hoje que será revolucionária amanhã?