segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Geometria

     Há 2.400 anos, um grego estava de pé na orla marítima observando os navios desaparecerem na distância. Aristóteles deve ter passado muito tempo lá, observando sossegadamente o desaparecimento de muitos navios, até que finalmente foi surpreendido por um pensamento peculiar. De todos os navios, o casco parecia sumir primeiro, depois o mastro velas. Ele perguntou a si mesmo: como isso é possível? Numa terra plana, os navios deveriam diminuir por igual até que desaparecessem como um pequeníssimo e insignificante ponto. Se o casco desaparecia primeiro – Aristóteles percebeu num lampejo genial – isso é um sinal de que a terra é curva. Para observar a estrutura de nosso planeta em grande escala, Aristóteles tinha olhado através da janela da geometria.
     A humanidade pré-grega tinha noção de muitas fórmulas eficientes, truques de cálculos e de engenharia, mas eles algumas vezes realizavam surpreendentes feitos com pouca compreensão do que estavam fazendo. Eram construtores trabalhando no escuro, tateando, descobrindo o seu caminho, levantando uma estrutura aqui, colocando um piso ali, alcançando o propósito sem jamais ter alcançado a compreensão do processo. Algumas ferramentas consideradas de computação datadas de 30.000 a.C. podem muito bem ser varas decoradas por artistas com sensibilidade matemáticas intuitivas. Porém, outras são curiosamente diferentes. Nas margens do lago Edward, na atual república Democrática do Congo, arqueólogos descobriram um pequeno osso, de 8 mil anos, com uma pequeníssima pedra de quartzo presa num entalhe em uma das extremidades. O seu criador, um artista ou matemático, entalhou três colunas de cortes em um dos lados do osso. Os cientistas acreditam que esse osso, chamado de osso Ishango, provavelmente seja o mais antigo exemplo já encontrado de um dispositivo para registro numérico. O pensamento de fazer operações com números surgiu muito mais tarde, porque fazer cálculos aritméticos exige um certo grau de abstração.
      Os primeiros passos principais nesta direção foram tomados no sexto milênio a.C. quando as pessoas do vale do rio Nilo começaram a abandonar a vida nômade e a se concentrar no cultivo do vale. Todos os anos o rio Nilo extravasava as margens e inundava o seu delta. A boa notícia era a de que as cheias depositavam nos campos de cultivo lamas aluviais ricas em nutrientes, tornando o delta do Nilo a mais fértil terra lavrável do mundo antigo. A má notícia consistia em que o rio destruía as marcas físicas de delimitação entre as possessões de terra. Dessa forma, avidam daí conflitos entre indivíduos e comunidades sobre o uso dessa terra não delimitada. Roubar a terra do vizinho era considerado uma ofensa tão grave como quebrar um juramento ou assassinar alguém. Sem marcos fronteiriços, os agricultores e administradores de templos, palácios e demais unidades produtivas fundadas na agricultura não tinham referência clara do limite das suas possessões para poderem cultivá-la e pagarem os impostos devidos na medida da sua extensão aos governantes. Os antigos faraós resolveram passar a nomear funcionários, os agrimensores, cuja tarefa era avaliar os prejuízos das cheias e restabelecer as fronteiras entre as diversas posses. Foi assim que nasceu a geometria. Estes agrimensores, chamados de harpedonopta (que significa literalmente “um esticador de cordas”, assim chamados devido aos instrumentos de medida e cordas entrelaçadas concebidas para marcar ângulos retos), acabaram por aprender a determinar as áreas de lotes de terreno dividindo-os em retângulos e triângulos.
     Os egípcios empregavam seu conhecimento matemático para fins impressionantes. Imagine um deserto desolado varrido pelo vento, no ano de 2580 a.C. O arquiteto desenrolando um papiro com o projeto de sua estrutura. Seu trabalho era fácil: base quadrada, faces triangulares e, bem tinha que ter uns 145 metro de altura, e deveria ser feita de sólidos blocos de pedras pesando mais de 2 toneladas cada, nenhum instrumento extravagante de topógrafo à sua disposição, apenas um pouco de madeira e corda. A geometria egípcia tornou-se uma matéria bem desenvolvida. Na realização de seus levantamentos topográficos, os egípcios utilizavam os harpedonoptas. Por exemplo, se esticarmos uma corda com nós a distância de 30, 40 e 50 metros, obteremos um ângulo reto entre os lados 30 e 40 metros. (Originalmente a palavra Hipotenusa significava, em grego, “o que foi esticado contra”). Acredita-se em geral que a origem da geometria se situa no Egito, o que é natural, pois, para a construção das pirâmides e outros monumentos desta civilização, seriam necessários conhecimentos geométricos. Estudos mais recentes contrariam esta opinião e referem que os egípcios foram buscar aos babilónios muito do seu saber.
     A palavra geometria vem do grego, geo=terra + metria=media, ou seja, medir a terra. Isso mostra que a geometria nasceu para ser prática, das necessidades dos povos antigos de resolver problemas e facilitar tarefas do cotidiano. Tarefas como, partilhar terras férteis, a cobrança de impostos dessas mesmas terras, construir casas, observar e prever movimentos dos astros, são alguns exemplos da aplicação da geometria no cotidiano. Por exemplo, os egípcios usavam o triangulo retângulo de 45° para descobrir a distância que um barco A se encontra do litoral(conforme a figura), apenas posicionando um homem B em linha reta com o barco fazendo uma ângulo reto, e outro homem C numa distância formando 45º entre a linha do barco e do outro homem. A distância L entre os 2 homens é a mesma entre o barco e o homem que forma o ângulo reto. Da mesma maneira o cálculo da altura de uma construção, de um monumento ou de uma árvore é também muito simples: crava-se verticalmente uma estaca na terra e espera-se o instante em que a extensão de sua sombra seja igual à sua altura. O triângulo formado pela estaca, sua sombra e a linha que une os extremos de ambos é isósceles. Basta medir a sombra para conhecer a altura.
     Mas foi na Grécia, porém, é que o gênio de grandes matemáticos lhes deu forma definitiva. Foi na Grécia do séc. 7 a.C. que a geometria se estabelece como ciência dedutiva. A geometria grega é a geometria da régua e do compasso. Os gregos herdam toda a experimentação, intuição e empirismo dos egípcios, estipulando neles leis e regras acerca do espaço. Encaravam a geometria de duas vertentes, uma mais prática e outra mais contemplativa. A contemplativa – a actividade do pensamento era personificada pela figura feminina. A prática, associada às leis e ao racional, era associada à figura masculina.
     A geometria dos gregos era fortemente influenciada por considerações filosóficas, estéticas, religiosas, que via a perfeição em tudo o que era circular. Foi Tales de Mileto (624 – 546 a.C.) o grande impulsionador da geometria, trazendo se suas viagens ao Egito. Das suas principais proposições destaca-se a demonstração da altura da pirâmide através da sua sombra. Pitágoras (570 – 495 a.C.), além do seu principal legado o “Teorema de Pitágoras”, trabalha na geometria espacial com os elementos cubo, esfera, tetraedro e octaecaedro. Euclides (360 – 295 a.C.), possivelmente não descobriu sequer uma só lei importante da geometria. No entanto, ele é o mais famoso geômetra já conhecido, compilou todo conhecimento da geometria de sua época em seu livro "Os Elementos", onde demonstra postulados como “Todos os ângulos retos são iguais”; “Juntando igual com igual os totais são iguais”; “O todo é maior do que a parte”, etc. E Apolónio de Perga (262 – 190 a.C), considerado o “Grande Geómetra”. A sua principal obra “As cónicas”, é c
onsiderada por muitos o ponto máximo da geometria grega. Usando a geometria, os gregos conseguiram feitos que impressionam até os dias hoje. Entre eles estão Eratóstenes e Aristarco de Samos.
     Eratóstenes (276 e 273 a.C. - 194 a.C.) foi um matemático, gramático, poeta, geógrafo, bibliotecário e astrônomo da Grécia Antiga. Nasceu em Cirene, Grécia, e morreu em Alexandria. Estudou em Cirene, em Atenas e em Alexandria. Os contemporâneos chamavam-no de "Beta" porque o consideravam o segundo melhor do mundo em vários aspectos. Ele era bibliotecário-chefe da famosa Biblioteca de Alexandria, e foi lá que encontrou, num velho papiro, indicações de que ao meio-dia de cada 21 de junho na cidade de Siena, 800 km ao sul de Alexandria, uma vareta fincada verticalmente no solo não produzia sombra. Cultura inútil, diriam alguns. Não para um homem observador como Eratóstenes. Ele percebeu que o mesmo fenômeno não ocorria no mesmo dia e horário em Alexandria e pensou: Se o mundo é plano como uma mesa, então as sombras das varetas têm de ser iguais. Se isto não acontece é porque a Terra deve ser curva. Mais do que isso. Quanto mais curva fosse a superfície da Terra, maior seria a diferença no comprimento das sombras. O Sol deveria estar tão longe que seus raios de luz chegam à Terra paralelos.
     Varetas fincadas verticalmente no chão em lugares diferentes lançariam sombras de comprimentos distintos. Eratóstenes decidiu fazer um experimento. Ele mediu o comprimento da sombra em Alexandria ao meio-dia de 21 de junho, quando a vareta em Siena não produzia sombra. Assim obteve o ângulo A, conforme a figura abaixo. Eratóstenes mediu A=7° (aproximadamente). Se as varetas estão na vertical, dá para imaginar que se fossem longas o bastante iriam se encontrar no centro da Terra. Preste atenção na figura acima. O ângulo B terá o mesmo valor que A, pois o desenho de Eratóstenes se reduz a uma geometria muito simples: se duas retas paralelas interceptam uma reta transversal, então os ângulos correspondentes são iguais. As retas paralelas são os raios de luz do Sol e a reta transversal é a que passa pelo centro da Terra e pela vareta em Alexandria. O ângulo B (também igual a 7°), é a uma fração conhecida da circunferência da Terra e corresponde à distância entre Siena e Alexandria. Eratóstenes sabia que essa distância valia cerca de 800 km e então pensou: 7° = 1/50 da circunferência (360°) e isso corresponde a cerca de 800 km. Oitocentos quilômetros vezes cinqüenta são quarenta mil quilômetros, de modo que deve ser este o valor da circunferência da Terra. O valor atualmente aceito é cerca de 40.072 km ao longo da linha do equador. Um erro muito pequeno para uma medida tão simples, e feita há tanto tempo! Com a circunferência, podemos calcular o diâmetro e o raio ou ainda o volume e a área da superfície, através de fórmulas simples. Repare que o conhecimento utilizado por Eratóstenes (retas paralelas cortadas por uma transversal) é formalmente adquirido hoje nas aulas de geometria do ensino fundamental.
     Aristarco (320 a.C – 250 a.C) nasceu em Samos, na Grécia. Talvez por ser um astrônomo, não tenha tido tanto destaque quanto mereceu na história da Matemática até os tempos atuais. Acreditava que a terra se movia em torno do sol e estudava um modo de medir a distância do Sol e o tamanho da Lua. Na mesma época de Eratóstenes, ele usou uma geometria elegante e de extrema simplicidade para medir a distância Terra-Sol, já conhecendo a distância da Terra à Lua. O que nos leva a imaginar o quanto da sabedoria antiga se perdeu ao longo da história. Todas as vezes que vemos um objeto sob um ângulo de 1 grau é porque ele está, necessariamente, afastado de nós 57 vezes o seu tamanho. Como sabemos disso? É fácil. Basta recordar o conceito de tangente e verificar que a tangente de 1° (um grau) vale aproximadamente 0,01745. Podemos continuar o raciocínio e verificar que se observarmos um astro sob um ângulo de 30 minutos de arco (meio grau), ele estará afastado cerca de 115 vezes o seu diâmetro. Acontece que vemos a Lua Cheia sob um ângulo médio de 31 minutos de arco, o que nos diz que ela esta distante de nós cerca de 115 vezes o seu diâmetro. Se você já conhece a distância da Terra à Lua, agora também já pode saber o seu diâmetro. Daí também não será difícil calcular o volume, a área da superfície. 
     Para calcular a distância da Terra ao Sol, também usa-se a geometria. Repare como é simples. Aristarco sabia que quando a Lua exibia um quarto iluminada (crescente ou minguante) era possível desenhar o triângulo retângulo da figura ao lado. A distância B corresponde a que existe entre a Terra e a Lua, o ângulo A à separação angular entre a Lua e o Sol, visto por um observador na Terra. Então, para calcular a distância C basta lembrar que ela é B dividida pelo cosseno do ângulo A, pois o cosseno de um ângulo é a medida do cateto adjacente a esse ângulo, no caso B, dividido pela hipotenusa do triângulo retângulo, C.  claro que tamanha simplificação traz limitações ao resultado. Porém, o maior desafio aqui é saber o instante exato da Lua em quarto crescente ou minguante, para que o ângulo A reflita um resultado pelo menos aproximado. Além disso, como precisamos de valores trigonométricos, boas tábuas tinham de ter sido elaboradas antes. Vale lembrar que, naquela época, a constante pi (3,14159...) era calculada como 22 ÷ 7.
     A influência da geometria sobre as ciências físicas foi enorme. Como exemplo, quando o astrônomo Kepler mostrou que as relações entre as velocidades máximas e mínimas dos planetas, propriedades intrínsecas das órbitas, estavam em razões que eram harmônicas, relações musicais, ele afirmou que essa era uma música que só podia ser percebida com os ouvidos da alma, a mente do geômetra. Com a introdução do plano cartesiano, muitos problemas de outras áreas da matemática, como álgebra, puderam ser transformados em problemas de geometria, muitas vezes levando a facilitação das soluções.

Nenhum comentário:

Postar um comentário