domingo, 18 de novembro de 2012

Livro: A Equação que Ninguém Conseguia Resolver, Mário Lívio


     Olá doidos. Este post será outro post duplo também, sobre Livro/Biografia, já que duas biografias muito interessantes são abordadas no livro A Equação que Ninguém conseguia Resolver, de Mário Livio. Só que no livro, o autor não foca somente na vida desses dois gênios da matemática, e sim vai desde o início da história da ciência e matemática, evoluindo as idéias, tornando a leitura bastante acessível. O livro trata basicamente de Equações (igualdades), como por exemplo 3x + 5 = 11. Essa é uma equação do primeiro grau simples de resolver. Já a equação de segundo grau (x²) já foi mais desafiadora para os matemáticos descobrirem uma fórmula para simplificar sua resolução, cabendo ao grande matemático hindu Báskara criar a famosa Fórmula de Báskara. As equações de terceiro grau (x³) criaram dificuldade ainda maiores, e as de quarto grau também, mas foram solucionadas no período de 1500. Mas as equações de quinto grau atormentou os mais brilhantes matemáticos do mundo, que não conseguiam resolve-la. A tarefa parecia impossível, até que dois jovens prodígios, separadamente, descobriram que ela não poderia ser resolvida pelos métodos tradicionais e revolucionaram a história da matemática. Eles eram o norueguês Niels Henrik Abel (1802-29) e o francês Évariste Galois (1811-32). Além da genialidade, a trajetória dos dois teve outro ponto em comum: ambos morreram jovens, de maneira trágica. E será a biografias desses dois jovens gênios o foco deste post.
     Niels Henrik Abel nasceu em 5 de agosto de 1802. Segundo filho de um pastor luterano, teve o mesmo como professor até os 13 anos. Em 1815, Niels Henrik foi enviado à Escola da catedral, em Oslo. O professor de matemática, um tal de Hans Peter Bader, era um homem bruto, que aterrorizava as crianças e frequentemente moías os alunos de pancadas. No início, as notas de Abel eram satisfatórias, no ano seguinte o desempenho estava em curva descendente, depois de ter sido surrado várias vezes por Bader, resolveu se afastar por um tempo. Em 1817, Bader foi demitido, e o professor substituto Bernt Micheal Holmboa introduziu um novo programa que começava com exercícios para que os alunos entendessem os símbolos matemáticos. Não levou muito tempo para despertar o gênio matemático dentro de Abel. Em seu boletim Homlboe escreveu em seu boletim: "Será, se viver, maior matemático do mundo." Mal sabia Bert, que as palavras "se viver" acabaram se tornando tragicamente proféticas. Em seu último ano na escola, Abel fez a primeira tentativa de desenvolver seu potencial. Ele tentou nada menos que resolver a equação quíntica, um problema  matemático como qual os melhores matemáticos da Europa tinha lutado por quase três séculos, e agora um aluno do colegial afirmava ter resolvido. Abel mostrou a solução para Holmboe, que não encontrou nada errado. Holmboe apresentou  a solução a dois matemáticos da Universidade de Oslo, que também não encontraram erro na solução. Holmboe decidiu apresentar a solução ao principal matemático escandinavo Ferdinand Degen.
     Degen apesar de não ter encontrado erro, pediu a Abel que lhe enviasse "uma dedução mais detalhada de seu trabalho e uma ilustração numérica". Para seu desgosto, ao tentar produzir exemplos, ele encontrou um erro em sua solução. Embora o gênio matemático estivesse começando a brilhar, os céus estavam se escurecendo na frente familiar. Em 1820, profundamente desiludido com problemas financeiros o pai de Abel se afoga no alcool, vindo a falecer rapidamente. Sua mãe e cinco irmão foram deixados com uma minúscula pensão para sobreviver. Reduzido a extrema pobreza, após a morte do pai, Abel conseguiu se matricular na Universidade de Oslo em 1821, graças a ajuda de alguns professores. Sem condições financeira para se sustentar, num ambiente onde o contato pessoal entre alunos e professores era desencorajado e os professores adotavam atitudes distantes e reservada, não menos que três professores resolveram ajudar Abel com seus próprios recursos, até 1824, quando ele começou a receber um minguado salário. Durante os primeiros anos Abel se tornou um convidado frequente na casa do professor Christofer Hansteen e foi em um peródico indicado por Hansteen que Abel publicou seus primeiros trabalhos. Os dois primeiros trabalho não foram de estremecer a terra, mas sua terceira publicação, "Soluções de um par de proposições por meio de integrais definidas", abordou oque mais tarde iria se tornar a base da matemática da radiologia moderna (pela qual o físico Cormack e o engenheiro Hounsfield receberia o prêmio Nobel de Medicina em 1979).
     Enquanto isso o professor Hansteen procurava outros meios de sustentar financeiramente os trabalhos de Abel, e permitir que ele viajasse ao exterior para expandir os horizontes. Abel conseguiu uma doação pessoal para conseguir viajar à Dinamarca conhece Degen e outros matemáticos. Abel passou as férias de verão em 1823 em Copenhague e lá descobriu que "os homens da ciência pensam que a Noruega é pura barbárie" e fez de tudo para convencer ao contrário.Nessa viagem ele também conheceu sua futura noiva, Christine Kemp. O natal de 1824 Abel anunciou que estava noivo e iria se casar. Infelizmente Neils Henrik nunca chegou a se casar com Christine, pois naquela época era impensável que alguém se casasse antes de ter meios de sustentar uma família. Ao voltar de Copenhague, Abel estava decido a trabalhar novamente na solução das equeções quínticas. Em vez de atacar novamente o problema procurando uma solução, ele estava determinado a provar que não existia uma solução por fórmula. Depois de alguns meses de intenso trabalho, ele finalmente pôs fim a sua busca. O estudante norueguês de 21 anos demonstrou de forma rigorosa e inequívoca que é impossível encontrar uma solução para uma equação quíntica que possa ser expressa por uma simples fórmula (não quer dizer que ela não possa ser resolvida, apenas diz que não existe uma "fórmula de Báskara" para equações quínticas).
     A descoberta de Abel mudou toda abordagem das equações , de meras tentativas de encontrar soluções à necessidade de demonstrar se soluções de certos tipos de fato existem. Sabendo da importância de sua descoberta, ele transcreveu sua demonstração em um folheto em Francês (não como os anteriores que foram escritos no inacessível norueguês), pagou a impressão desse folheto do próprio bolso (provavelmente abrindo mão de um bom número de refeições), e para economizar resumiu o artigo para apenas seis páginas, enviando a seus amigos em Copenhague e ao grande Carl Friedrich Gauss. Ao contrário que se esperava o artigo recebeu pouca atenção. Gauss sequer se deu o trabalho de abrir o folheto (após sua morte o artigo foi encontrado fechado, não cortado). Uma das maiores obras-primas da matemática não teve leitores.
     Por volta dessa época os professores Hansteen e Rasmussen concluíram que para que ele realizasse todo seu potencial ele deveria concluir seus estudos no maior centro intelectual da Europa. Eles solicitaram ao governos norueguês uma verba para a viagem de Abel. Após muita burocracia o departamento financeiro liberou a bolsa para Abel, apesar da terrível crise financeira que passavam. Contudo, uma cláusula omissa dizia que não seria destinado nenhum dinheiro para patrocinar Abel em seu retorno para casa. Essa cláusula acabaria tendo consequências devastadores.
     Em setembro de 1825, Abel iniciou sua viagem apara Paris, passando antes por Berlim, onde conheceu o engenheiro Auguste Crelle (1780 - 1855), que se tornou seu amigo e protetor. Crelle pretendia criar um periódico de alto nível, e utilizou os trabalhos de Abel no primeiro número da publicação, a primeira sendo totalmente voltada à matemática - hoje o famoso Journal für die reine und angewandte Mathematik. Em meio a essas impressionantes proezas matemáticas, a cruel realidade da situação financeira continuou a atormentar Abel. Com sua modesta bolsa, ele também sustentava parcialmente seus irmãos. Quando o professor Rasmussen pediu demissão da universidade, abriu a oportunidade que Abel sempre sonhara - um emprego na universidade. Porém a vaga foi preenchida por seu professor Holmboe. Desapontado, Abel informou a Christine que seus planos de casamento teriam de ser adiados. Apesar dos problemas financeiros,  aquele inverno em Berlim foi o mais produtivo de sua vida, colaborando com artigos de cálculo integral e teoria das somas de séries infinitas.
     Após Berlim, Abel vai para a capital matemática do mundo, Paris. Durante seus poucos meses em Paris, Abel trabalhou incessantemente naquilo que iria se tornar o Teorema de Abel, que trata de uma classe especial de funções conhecidas como transcendentais, que seria seu maior tratado até então, com 67 páginas. Quando estava concluído, Abel mal conseguia conter seu entusiasmo. Ele submeteu o artigo à Academia Francesa de Ciências, aos cuidados de Legendre e Couchy, mas novamente despertou pouca atenção. Sozinho em Paris, Abel fez poucos amigos, sobrevivendo com recursos cada vez menores, um humor cada vez mais deprimido e saúde em deterioração. O que Abel imaginou ser um resfriado começou a incomodá-lo e ele deve ter consultado alguns médicos que chegaram num diagnóstico alarmante - tuberculose. Recusando-se a admitir seu problema de saúde e com os fundos secando, Abel decidiu voltar a Berlim. Logo após sua chega ele adoeceu, os primeiros sinais de sua saúda em rápida deterioração. Crelle fez o melhor que pôde para ajudar Abel. Milagrosamente, nem seus problemas de saúde e financeiro impediram Abel de concluir seu mais extenso trabalha, "Pesquisa das Funções Elípticas". Crelle tenta convencer Abel a permanecer em Berlim até que ele conseguisse garantir um cargo para ele lá.
     Contudo, cansado e com uma enorme saudade de casa, em 1827 Abel, fortemente endividado e sem perspectiva de conseguir um cargo, resolve voltar para noruega. Com sua saúde deteriorando, durante os anos 1927 e 1928 na noruega, seus antigos e novos trabalhos começaram a se espalhar entre os grandes matemáticos da Europa. Com reconhecimento da genialidade de Abel se espalhando, quatro eminentes membros da Academia Francesa de Ciências escreveram ao rei carlos XIV da Noruega e pediram que ele tratasse de criar um cargo proporcional aos talentos de Abel. O esforço não surtiu nenhum efeito. Depois de uma noite de martírios em 5 de abril de 1829, o jovem gênio norueguês faleceu. Em 8 de abril, ainda sem saber da morte de Abel, Crelle lhe escreve de Berlim dando a boa notícia que o governo de Berlim lhe dará um emprego. Ao se familiarizar com o trabalho de Abel, o grande matemática Carl Gustav Jacobi escreveu a Legendre: "Que descoberta de Herr Abel, esta generalização da integrall de Euler! Alguém alguma vez viu algo assim? Mas como é possível essa descoberta, talvez a mais importante de nosso século, não tenha recebido a sua atenção e de seus colegas depois de ter sido comunicada à Academia há mais de dois anos?" Em 28 de junho de 1930, a Academia Francesa de Ciências anunciou que o grande Prêmio por realizações matemáticas. Em 2002, por ocasião do bicentenário do matemático, o governo da Noruega criou o Prêmio Niels Henrik Abel, no valor de 6 milhões de coroas norueguesas, a ser entregue, anualmente, aos matemáticos notáveis.
     Mais impressionante e trágica é a história do matemático francês Évariste Galois. Durante a madrugada inteira do dia 30 de maio de 1832, o jovem de Galois escreveu, páginas e páginas de cálculos e números matemáticos, idéias elaboradas em sua curta vida. Nas margens das páginas, como demonstração de desespero, ele escreve: "não tenho tempo, não tenho tempo!!!". Ele sabia que estaria morto ao amanhecer, provavelmente com um tiro na testa. Tinha apenas 20 anos, mas muita coisa a dizer. Principalmente sobre os números que vinha rabiscando de maneria confusa há 4 anos.
    Doze anos depois, os rascunhos – e as anotações insanas daquela noite – foram finalmente examinados. O rapaz Galois era um gênio! Sua complexa teoria de grupos abria todo um novo campo para a álgebra. Algo que no século seguinte seria fundamental para o desenvolvimento dos computadores, por exemplo. Mas em 1832 nada disso parecia possível. O jovem Évariste estava atolado até o pescoço em uma confusão dos diabos. Ou melhor, diversas confusões. A escalada começou em 1829, com o suicídio inesperado de seu pai após uma briga feia com inimigos monarquistas. O país estava dividido em facções apaixonadas, opondo católicos a protestantes, republicanos a monarquistas, e Galois resolvera ser republicano até a morte.
     Évariste nasceu em Bourg-La-Reine, próximo à Paris, em 1811. Seu pai, Nicolas-Gabriel Galois era um homem culto, amante da filosofia e liberdade, chegou a ser respeitado prefeito de Bourg-La-Reine. A mãe, Adelaide-Marie Demante, descendia de uma família de juristas e recebeu uma educação clássica e religiosa. Generosa e de forte caráter foi responsável pela educação de seu filho até aos 11 anos. Além da educação habitual, Galois recebeu de sua mãe formação em Grego, Latim e ensinamentos religiosos. A sucessão de acontecimentos que marcaram a  sua vida trágica começou quando ingressou no Liceu Louis-le-Grand aos 12 anos. Devido a educação elevada que receber, entrou diretamente para o quarto anos, e não teve problemas para obter boas notas. O Liceu Louis-le-Grand era uma instituição de prestígio e autoritária. No primeiro período da escola, devido às lutas entre republicanos e monárquicos, a maioria dos estudantes planejou uma rebelião. Uma dúzia de líderes foi expulsa. No dia seguinte foi exigida uma demonstração de fidelidade a Luís XVIII. Muitos se recusaram. Mais de cem foram expulsos. Galois, muito jovem para se envolver na fracassada rebelião, ao ver seus colegas serem humilhados, aumentou suas tendências republicanas.
     O ano seguinte marcou Galois, ao ter iniciado as aulas de matemática, e ter tido acesso ao excelente livro de Geometria escrito por Legendre, o seu entusiasmo pela disciplina cresceu. Por esta altura o seu gênio matemático manifestou-se, pois aprendia numa leitura aquilo que normalmente os alunos aprendiam em dois anos. Em seguida, leu independentemente, um livro avançado sobre Álgebra escrito por Lagrange. Entretanto seu interesse nas obras clássicas e outras disciplinas desapareceu, o que o levou a ser reprovado em Retórica. Diziam seus professores: "este aluno só se preocupa com os altos campos da matemática; a loucura matemática domina este garoto; seria melhor para ele se seus pais o deixassem estudar apenas isto, de outro modo ele está perdendo tempo aqui e não faz nada senão atormentar seus professores e sofrer castigos."
     O conhecimento de Galois pela matemática logo superou o conhecimento do seu professor. Passou a estudar diretamente dos livros escritos pelos gênios de sua época. Rapidamente absorveu os conceitos mais modernos e com a idade de dezessete anos publicou seu primeiro trabalho nos Annales de Gergonne. Havia um caminho claro para o jovem prodígio, mas seu brilho seria o maior obstáculo ao seu progresso. Embora soubesse mais matemática do que seria necessário para passar nas provas do Liceu, as soluções de Galois eram freqüentemente tão sofisticadas e inovadoras que seus professores não conseguiam julgá-las corretamente. Além disto, Galois fazia muitos cálculos de cabeça, sem transcrevê-los, deixando os professores frustrados e perplexos. Quando prestou exame para a École Polytechnique, o mais prestigiado colégio de seu país, os seus modos rudes e a falta de explicações na prova oral fizeram com que sua admissão fosse recusada. Desejando desesperadamente frequentar a Polytechnique,  por sua excelência como centro acadêmico e por ser um centro do ativismo republicano, tentou no ano seguinte nela ingressar e, mais uma vez seus saltos lógicos na prova oral só confundiram o examinador, Monsieur Dinet. Percebendo que estava a ponto de ser reprovado pela segunda vez, Galois perdeu a calma e jogou um apagador em Dinet, acertando em cheio. Nunca mais ele voltaria a entrar nas famosas salas da Polytechnique.
     Sem se abalar pelas reprovações, Évariste continuou suas pesquisas, principalmente pela buscas das soluções das equações quadráticas, e por uma receita para resolver equações de quinto grau, um dos grandes desafios da época. Ele fizera progressos suficientes para submeter dois trabalhos de pesquisa à Academia de Ciências. Cauchy ficou muito impressionado com o trabalho do jovem e o julgou capaz de participar na competição pelo Grande Prêmio de Matemática da Academia. Infelizmente em 1829 um novo sacerdote jesuita chegou em Bourg-La-Reine, onde seu pai ainda era prefeito. Não gostando das simpatias republicanas do prefeito, o sacerdote iniciou uma campanha para depô-lo. Escreveu uma série de versos vulgares ridicularizando os membros da sociedade e assinou com o nome do prefeito. O velho Galois não pode suportar a vergonha e o embaraço resultantes e se suicidou. Évariste Galois voltou para assistir ao enterro do pai e viu pessoalmente as divisões que o sacerdote tinha criado. Quando o caixão estava sendo baixado à sepultura, tendo os partidários do prefeito percebido ter sido tudo uma trama para depô-lo, iniciou-se uma briga que se transformou em tumulto, o caixão atirado para dentro da cova. Ver o sistema francês humilhar e destruir seu pai consolidou o apoio fervoroso de Galois para a causa republicana.
     Voltando a Paris, Galois juntou seus dois trabalhos num só e os enviou para o secretário da Academia, Joseph Fourier, bem antes do limite do prazo. Fourier por sua vez devia entregá-lo para o comitê de avaliação. O trabalho de Galois não apresentava uma solução para os problemas do quinto grau, mas oferecia uma visão tão brilhante que muitos matemáticos, incluindo Cauchy, o consideravam como o provável vencedor. Para espanto de Cauchy e seus amigos, o trabalho não ganhou o prêmio e nem foi oficialmente inscrito. Fourier morrera algumas semanas antes da data da decisão dos juízes  e embora um maço de trabalhos tivesse sido entregue ao comitê, o de Galois não estava entre eles. Galois achou que seu trabalho fora propositalmente perdido devido às orientações políticas da Academia.
      Em 4 de dezembro de 1830, o gênio contrariado tentou se tornar um rebelde profissional alistando-se na Artilharia da Guarda Nacional. Tratava-se de um ramo de milícia conhecido também como "inimigos do povo". Antes do fim do mês o novo rei, Louis-Phillipe, ansioso em evitar novas rebeliões, extinguiu a Artilharia da Guarda e Galois se viu desamparado e sem lar. Um fato documentado por Alexandre Dumas, (autor de Os Três Mosqueteiros) que estava em um no restaurante quando houve um banquete em homenagem a dezenove republicanos acusados de conspiração. "Subitamente, no meio de uma conversa particular que eu estava tendo com a pessoa à minha esquerda, ouvi o nome Louis-Phillipe seguido de assobios. Virei-me para olhar e presenciei uma cena muito agitada. Um jovem que erguera seu cálice em saudação, segurava um punhal e estava tentando se fazer ouvir – era Évariste Galois, um dos mais ardentes republicanos. Tudo que consegui entender foi uma ameaça e o nome de Louis-Phillipe sendo mencionado: o punhal na mão do rapaz tornava tudo muito claro." Estava claro que o episódio teria sérias conseqüências. Dois ou três dias depois Évariste Galois foi preso. Ficou na prisão durante um mês, acusado de ameaçar a vida do rei e levado a julgamento. Um júri simpático e a idade do rapaz, ainda com apenas vinte anos, levaram à sua absolvição. Mas no mês seguinte ele foi preso de novo, sentenciado a seis meses de prisão. Uma semana depois um franco-atirador, num sótão do lado oposto da prisão, disparou um tiro contra a cela, ferindo um homem que estava ao lado de Galois, que ficou convencido ser a bala destinada a ele, havendo um complô do governo para assassiná-lo. O medo da perseguição política o aterrorizava. O isolamento dos amigos e da família e a rejeição de suas idéias matemáticas o mergulharam na depressão. Bêbado, ele tentou se matar com uma faca, mas seus colegas conseguiram desarmá-lo.
     Em março de 1832, um mês antes do final da sentença, irrompeu uma epidemia de cólera em Paris e os prisioneiros de Sainte-Pélagie foram libertados. O que aconteceu com Galois nas semanas seguintes tem motivado muita especulação, mas o que se sabe com certeza é que a tragédia foi o resultado de um romance com uma mulher misteriosa, chamada Stéphanie-Félice Poterine du Motel, filha de um respeitado médico parisiense. Embora ninguém saiba como o caso começou, os detalhes de seu trágico fim estão bem documentados. Stephanie já estava comprometida com um cidadão chamado Pescheux d’Herbinville, que descobriu a infidelidade de sua noiva. Furioso e sendo um dos melhores atiradores da França não hesitou em desafiar Galois para um duelo ao raiar do dia. Évarist conhecia a perícia de seu desafiante com a pistola. Na noite anterior ao confronto, que ele acreditava ser a última oportunidade que teria para registrar suas idéias no papel, ele escreveu cartas para os amigos explicando as circunstâncias. "Eu peço aos patriotas, meus amigos, que não me censurem por morrer por outro motivo que não pelo meu país. Eu morri vítima de uma infame namoradeira e dos dois idiotas que ela envolveu. Minha vida termina em conseqüência de uma miserável calúnia. Ah! Por que tenho que morrer por uma coisa tão insignificante e desprezível? Eu peço aos céus que testemunhem que foi apenas pela força e a coação que eu cedi à provocação que tentei evitar por todos os meios".
     Apesar de sua devoção à causa republicana e seu envolvimento romântico, Galois mantivera sua paixão pela matemática. Um de seus maiores temores era de que sua pesquisa, rejeitada pela Academia, se perdesse para sempre. Em uma tentativa desesperada de conseguir reconhecimento, ele trabalhou a noite toda, escrevendo o teorema que explicaria o enigma da equação do quinto grau. As páginas eram, na maior parte, uma transcrição das idéias que ele já enviara a Cauchy e Fourier, mas ocultas em meio à complexa álgebra havia referências ocasionais a "Stéphanie", ou "une femme", e exclamações de desespero – "Eu não tenho tempo, eu não tenho tempo!" No final da noite, quando seus cálculos estavam completos, ele escreveu uma carta explicativa ao seu amigo Auguste Chevalier, pedindo que, caso morresse, aquelas páginas fossem enviadas aos grandes matemáticos da Europa. "Meu Querido Amigo: Eu fiz algumas novas descobertas em análise. A primeira se refere à teoria das equações do quinto grau e as outras, a funções integrais. Na teoria das equações eu pesquisei as condições para a solução de equações por radicais. Isto me deu a oportunidade de aprofundar esta teoria e descrever todas as transformações possíveis em uma equação, mesmo que ela não seja resolvida pelos radicais. Está tudo aqui nesses três artigos… Em minha vida eu freqüentemente me atrevi a apresentar idéias sobre as quais não tinha certeza. Mas tudo que escrevi aqui estava claro em minha mente durante um ano e não seria do meu interesse deixar suspeitas de que anunciei um teorema dos quais não tenho a demonstração completa. Faça um pedido público a Carl Gustav Jakob Jacobi ou Gauss para que dêem suas opiniões, não pela verdade mas devido à importância desses teoremas. Afinal, eu espero que alguns homens achem valioso analisar esta confusão. Um abraço caloroso. E. Galois"
     Na manhã seguinte, Quarta-feira, 30 de maio de 1832, num campo isolado, Galois e d’Herbinville se enfrentaram a uma distância de vinte e cinco passos, armados com pistolas. D’Herbinville viera acompanhado de dois assistentes, Évarist Galois estava sozinho. Ele não contara a ninguém sobre seu drama. Um mensageiro que enviara ao seu irmão Alfred, só entregaria a notícia depois do duelo terminado. E as cartas que escrevera na noite anterior só chegariam aos seus amigos vários dias depois. As pistolas erguidas e disparadas. D’Herbinville continuou de pé. Galois foi atingido no estômago. Ficou agonizando no chão. Não havia nenhum cirurgião por perto e o vencedor foi embora calmamente, deixando seu oponente ferido para morrer. Algumas horas depois Alfred chegou ao local e levou seu irmão para o hospital Cochin. Era muito tarde, já ocorrera uma peritonite e no dia seguinte Galois faleceu. Antes de morrer disse para seu irmão: "- Não chore, preciso de toda a minha coragem para morrer aos vinte anos"

Um comentário:

  1. DICA: vejam a "Fórmula Luderiana para Equação Quíntica", no slideshare.

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