quinta-feira, 4 de outubro de 2012

A História da Quarta Dimensão

     No ano de 1905, um jovem cientista chamado Albert Einstein publicou três artigos que revolucionaram o mundo moderno. Em um deles, ele tenta explicar o movimento Browniano (movimentos aleatórios de partículas sobre a água) usando a teoria atômica, que ainda não era bem aceita na época. Em seu segundo artigo, sobre o efeito foto-elétrico (produção de corrente elétrica através usando luz), ele usa a teoria quântica de Max Plank, publicada em 1900, para explicar o fenômeno. Mas foi seu terceiro artigo o mais revolucionário e conhecido Teoria da Relatividade, onde ele introduz o conceito do Tempo como sendo a Quarta Dimensão. Mas antes dele, a Quarta Dimensão já era muito discutida e comentada entre os grandes cérebros da Europa, sendo muitas vezes tratada como misticismo, influenciou muitos trabalhos de cientistas, livros de grandes escritores e obras de artes de gênios.
     O que é Dimensão? Dimensão é algo que podemos mensurar, medir, seja o comprimento, a temperatura, o tempo, etc.... Na Física as dimensões são usadas para descrever fenômenos observados, como os movimentos das estrelas, trajetórias de balas de canhões. A Física Clássica, descreve o Espaço usando três dimensões, a largura, a altura e o comprimento. Essas três dimensões são de fácil compreensão para nós, pois nós crescemos e vivenciamos ela em nosso dia-a-dia. Tentar imaginar uma quarta dimensão espacial dá um nó em nosso cérebro, fica bem além de nossas limitações, e foi aí que Einstein sugeriu uma quarta Dimensão não espacial, e sim temporal. Mas essa discussão começou bem antes de dele.
     Euclides, em seu livro Os Elementos em 300a.C., fez uma compilação dos conhecimentos de sua época, sobre objetos geométricos em até 3 dimensões espacias (largura, altura e profundidade). Esse livro foi a bíblia dos matemáticos e cientistas durante quase 2000 anos seguintes, e serviu de alicerce para toda ciência do renascimento, inclusive a Mecânica Newtoniana. O sucesso da geometria espacial e a impossibilidade de visualizar uma quarta dimensão espacial fizeram que a procura de uma geometria de mais dimensões fosse desestimulada, e os poucos que se atreviam  eram ridicularizados. No século XIX, um matemático alemão chamado Georg Bernhard Riemann, foi o primeiro a estabelecer os fundamentos matemáticos das geométricas no espaço com maior número de dimensões. Riemann mudou o curso da matemática para o século que se seguiu, demonstrando que estes universos, por mais estranhos que possam parecer, são completamente coerentes e obedecem à sua própria lógica interna. Para visualizar algumas de suas idéias, pense em empilhar muitas folhas de papel uma sobre a outra. Agora imagine que cada folha representa todo um mundo e que cada mundo obedece às suas próprias leis, diferentes daquelas de todos os outros. Seres inteligentes poderiam habitar alguns desses planetas, ignorando por completo a existência dos outros.
     Normalmente, a vida em cada um desses mundos paralelos prossegue independente do que se passa nos outros. Em raras ocasiões os planos podem se cruzar e rasgar o próprio tecido do espaço, o que abre um buraco entre esses dois universos. Como o buraco de minhoca que aparece em Jornadas nas Estrelas, essas passagens tornam possível a viagem entre esses mundos. Usando esse conceito, o matemático Charles L. Dodgson, que lecionava na Universidade de Oxford, escreveu vários livros, com o pseudônimo de Lewis Carroll, usando essas estranhas idéias matemáticas. Quando Alice cai no buraco de coelho ou atravessa o espelho, ela entra no País das Maravilhas, um lugar estranho onde gatos desaparecem, cogumelos mágicos transformam crianças em gigantes e o Chapeleiro Maluco celebra desaniversários. Não é de  surpreender que Carroll encontrou entre as crianças uma receptividade muito maior a essas idéias que entre os adultos, cujas idéias preconcebidas sobre espaço e lógica vão se tornando mais rígidas com o passar do tempo. De fato, a teoria de dimensões adicionais do Riemann tornou-se parte permanente da literatura e do folclore infantil, dando origem a outras obras clássicas como a terra de Oz de Dorothy e a Terra do Nunca de Peter Pan.
   Contudo, sem nenhuma confirmação experimental ou motivação física imperativa, essas teorias de mundos paralelos definharam como ramo da ciência. Ao longo de dois milênios, cientistas se detiveram ocasionalmente na ideia de dimensões adicionais, somente para descartá-las como não passível de teste e portanto tola. Embora fosse matematicamente intrigante, a teoria de geometrias mais elevadas de Riemann foi posta de lado como brilhante mas inútil. Os cientistas dispostos a estudá-las logo se viram ridicularizados pela comunidade científica. O espaço multidimensional tornou-se o último refúgio dos místicos, excêntricos e charlatões. Em várias situações a ciência e o misticismo se confundem. Como disse o escritor de ficção científica Arthur C. Clarke: "Mágica é qualquer tecnologia suficientemente avançada."
    Para podermos visualizar melhor a quarta dimensão, vamos primeiro visualizar um mundo em duas dimensões, que seria um mundo plano. Um livro que ilustra bem como seria a vida em um mundo bidimensional, escrito em 1884 pelo clérigo Edwin Abbot, é o Flatland: A Romance of Many Dimensions by a Square. Por causa do intenso fascínio público pelas dimensões adicionais, o livro foi um sucesso instantâneo na Inglaterra. Abbot usou o a controvérsia em torno da quarta dimensão como um veículo de mordaz crítica social e sátira. Em Flatland, seus habitantes os Flatlanders ou Chatolandenses são figuras geométricas bidimensionais. O herói do romance, Sr. Quadrado, é um cavaleiro conservador que vive em uma sociedade estratificada. As mulheres, ocupando o escalão mais baixo da hierarquia social, são meras linhas, os nobres são polígono, ao passo que os Sumos Sacerdotes são círculos. Quanto mais lados as pessoas têm, mais elevada é sua categoria social.
     Discutir a terceira dimensão é estritamente proibido, e quem quer que a mencione é condenado a severa punição. Um dia Sr. Quadrado tem sua vida virada de cabeça para baixo quando ele é visitado por um misterioso Lorde Esfera, um ser tridimensional. Aos seus olhos, Lorde Esfera parece um círculo que pode mudar de tamanho magicamente. Lorde tenta explicar que vem de um outro mundo, chamado Spaceland, onde todos os objetos têm três dimensões. Quadrado não fica convencido, então Lorde Esfera retira Sr. Quadrado do mundo bidimencional e o joga em Spaceland. é uma experiência fantástica, quase mística para o Quadrado. Ao voltar, Quadrado tenta  a contar ao seus conterrâneos as maravilhas da terceira dimensão, os Sumos Sacerdotes o tomam por louco falastrão, e é condenado a passar os resto de suas vidas em uma prisão.
     Apesar do final pessimista, o livro de Abbot foi muito importante pela popularização de uma idéia de como seria uma visita a um mundo de dimensões múltiplas. Para imaginar uma viagem interdimensional, imagine arrancar Sr. Quadrado de Flatland e jogá-lo no ar. Digamos que, enquanto flutua por nosso mundo tridimensional, ele topa com um ser humano. Como Square nos veria? Como seus olhos bidimensionais só podem ver fatias planas de nosso mundo, um ser humano lhe pareceria um objeto feio e assustador. Primeiro ele veria duas figuras ovais de couro a sua frente, nossos sapatos. Quando é arrastado para cima essas duas figuras mudam de cor e forma e se transformam em dois círculos de tecido, as nossas pernas, até  se misturarem em um único círculo ovalado, nossa cintura. Depois aparecem mais dois círculos, os braços e mudam de cor, a cor de nossa camisa, e conforme continuam subindo os três círculos se junto em um só círculo de carna, nossa cabeça. Para ele, os misteriosos seres humanos são um amontoado apavorante de círculos e formas em constante mutação.
     De maneira semelhante, se fôssemos arrancados de nosso universo tridimensional e arremessados na quarta dimensão, constataríamos que o senso comum se torna inútil. Enquanto derivamos pela quarta dimensão, bolhas e formas estranhas surgem do nada diante de nosso olhos, mudando de forma e cor constantemente. E para reconhecermos diferentes criaturas quadridimensionais teríamos que distingui-las pelas diferenças no modo que essas bolhas mudam.
     Durante muitos anos, os cientistas tentavam "ver" a Quarta Dimensão". E foi um matemático inglês chamado Charles Hinton o primeiro a desenvolver algumas técnicas para "visualizar" a Quarta Dimensão. Ele foi o primeiro a visualizar um Hipercubo (cubo na quarta dimensão), também conhecido como Tesseract. Para chegar lá, Hinton se deu conta que por mais que tentamos ver a quarta dimensão, só conseguimos enxergar as sombras dos objetos quadridimensionais no plano tridimensional. Usando a analogia do Flatland, ao arremessarmos um chatôlandes no espaço ele continuará a enxergar bidimensionalmente, ele só verá secções planas dos objetos espaciais. Mas ele pode visualizar a sombra dele no plano. Na figura ao lado na parte de cima mostra a sombra de um cubo no plano bidimensional e a sombra de um hipercubo no espaço tridimensional. Outra maneira de visualizar seria fazer um desdobramento do cubo sobre o plano. Na figura ao lado na parte de baixo mostra o desbobramento do cubo sobra um plano e o desdobramento de um hipercubo sobre o espaço.
     O conceito de quarta dimensão penetrou tão profundamente no clima intelectual do final do século XIX que até dramaturgos fizeram troça dele. Em 1891, Oscar Wilde escreveu uma sátira sobre histórias de fantasma, "The Canterville Ghost", que zomba das proezas de uma certa ingênua "Psychical Society" (uma referência à Society for Psychical Research). Wilde evocou um fantasma resignado que encontra os recém-chegados locatários americanos de Canterville. Escreveu ele: "Evidentemente não havia tempo a perder, assim, adotando precipitadamente a Quarta Dimensão do Espaço como um meio de escapulir, ele (o fantasma) desapareceu através dos lambris e a casa ficou tranquila".
     Uma contribuição mais séria para a literatura da quarta dimensão está nas obras de H. G. Wells. Em seu romance de 1894, A Máquina do Tempo, Wells combinou vários temas matemáticos, filosóficos e políticos. Popularizou uma nova ideia em ciência, a de que a quarta dimensão poderia também ser vista com tempo, não necessariamente como espaço:
"Claramente... todo corpo real deve ter extensão em quatro direções: deve ter Comprimento, Largura, Espessura e Duração. Mas por uma enfermidade natural da carna... somos propensos a não notar esse fato. Há na realidade quatro dimensões, três que chamamos de raias do Espaço, e uma quarta, o Tempo. Há, contudo, uma tendência a inferir uma distinção irreal entre as três primeiras dimensões e a última, porque ocorre que nossa consciência se move intermitentemente numa única direção ao longo da última desde o início até o fim de nossas vidas."
     No conto "The Plattner Story", Wells chegou a brincar com o paradoxo da lateralidade. Gottfried Plattner, um professor de ciências está realizando um elaborado experimento químico, mas seu experimento explode e o lança em outro universo. Quando ele volta do outro mundo para o seu, ele descobre que seu corpo foi alterado de uma curiosa maneira: seu coração está do lado direito e ele se tornou canhoto. Quando os médicos o examinam ficam estupefatos ao constatar que todo o corpo dePlattner foi invertido, uma impossibilidade biológica no mundo tridimensional: "A curiosa inversão dos lados direito e esquerdo de Plattner é a prova que ele foi transportado do nosso espaço para a Quarta Dimensão...". Em um mundo bidimencional, um chatôlandes pode ser arrancado do plano, jogado no espaço tridimensional, girado e posto de volta no plano, com seus lados invertidos.
    A Quarta Dimensão também entrou na arte dos anos 1890. Foi entre os cubistas que se desenvolveu a primeira e mais coerente teoria da arte baseada nas novas geometria. As pinturas de Picasso (ao lado) são um exemplo, mostrando a clara rejeição de perspectiva, com faces de mulheres vistas simultaneamente de vários ângulos. Em vez de um único ponto de vista, as suas pinturas mostram várias perspectivas, como se fossem pintadas por alguém da quarta dimensão. Certa vez Picasso foi abordado por um estranho que o reconheceu e perguntou: por que ele não podia desenhar as pessoas como elas realmente eram? Por que tinha de distorcer a aparência das pessoas? Picasso pediu então ao homem que lhe mostrasse fotografias de sua família. Depois de olhar atentamente, ele respondeu: "Ah dua mulher é realmente tão baixa e chata assim?" Para Picasso, qualquer imagem por mais realista que fosse, dependia da perspectiva do observador.
     Os pintores abstratos tentaram não só visualizar os rostos pintados quadridimensionalmente, como tentaram retratar o tempo como a quarta dimensão. Na pintura Nu descendo uma escada de Marcel Duchamp vemos uma representação borrada de uma mulher, com número infinito de suas imagens superpostas ao logo do tempo à medida que ela desce as escadas. É assim que uma pessoa quadridimensional perceberia as pessoas, vendo todas as sequencias de tempo simultâneamente caso o tempo fosse a quarta dimensão. E influenciado pelo Tesseract de Hinton, Salvador Dali pintou seu famoso quadro Christus Hipercubus (ao lado), que retrata Cristo sendo crucificado numa cruz quadridimensional.
   

     A quarta dimensão penetrou também na Rússia Czarista. Em Os Irmão Karamazov, de Fiodor Dotoiévski, o protagonista Ivan especula sobre a existência de outras dimensões e geometrias não-euclidianas durante uma discussão sobre a existência de Deus. Em razão de eventos históricos que se produziram na Rússica, a quarta dimensão iria desempenhar um curioso papel na Revolução Bolquevique.Esse estranho interlúdio na história da ciência é importante porque Vladmir Lenin iria participar do debate sobre quarta dimensão, que iria exercer poderosa influência sobre a ciência da ex-União soviética nos anos seguintes (pelos físicos russos, claro).
     Depois que o czar esmagou a revolução de 1905, uma facção chamada otzovistas se formou no seio do partido bolchevique. Eles sustentavam que os camponeses não estavam prontos para o socialismo; para prepará-los, os bolcheviques deveriam atraí-los por meio da religião e do espiritualismo. Para apoiar suas visões, os otzovistas faziam citações da obra do físico e filósofo Ernst Mach, que havia escrito eloquentemente sobra a quarta dimensão e a recente descoberta da radioatividade  Os otzovistas ressaltavam que a descoberta da radioatividade por Henri Becquerel e do rádio por Marie Curie em 1896 haviam inflamado um furioso debate nos círculos intelectuais. Parecia que a matéria, que os gregos pensarem ser eterno e imutável, agora podia se desintegrar lentamente, e a energia podia reaparecer. Novos experimentos mostraram que os fundamentos da física newtoniana estavam se esboroando. Para alguns Mach era um profeta que os iria retirar da barbárie. No entanto ele apontava para direção errada, rejeitando o materialismo e declarando que o espaço e tempo é produto de nossas sensações.
     Criou-se uma cisão entre os bolcheviques. Seu líder, Vladimir Lênin, ficou horrorizado. Fantasmas e demônios seriam compatíveis com o socialismo? Em 1908, exilado em Genebra, ele escreveu um imenso volume filosófico, Materialismo e Empirocriticismo, defendendo o materialismo dialético da violenta investida do misticismo e da metafísica. Para Lênin, o misterioso desaparecimento da matéria e energia não provava a existência de espíritos. Segundo ele isso significava que estava surgindo uma nova dialética que iria abarcar tanto a matéria quanto energia. Não mais seria possível vê-las como entidades separadas, como fizera Newton. Um novo princípio de conversação era necessário. (Lênin desconhecia que Einstein havia proposto o princípio correto três anos antes) Além disso Lênin questionou a aceitação pressurosa da quarta dimensão de Mach. Primeiro louvou Mach, que "levantou a questão muito importante e útil de um espaço de n dimensões como espaço concebível". Em seguida censurou por não ter enfatizado que somente as três dimensões podiam ser verificadas experimentalmente. A matemática pode explorar a quarta dimensão e o mundo do possível, e isso é bom, escreveu Lênin, mas o czar só pode ser derrubado na terceira dimensão!
     Lutando no campo de batalha da quarta dimensão e da nova teoria da radiação, Lênin precisou de anos para extirpar o otzovismo do partido bolchevique. Acabou contudo por vencer a batalha pouco antes da deflagração da Revolução de Outubro de 1917.

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