domingo, 18 de novembro de 2012

Livro: A Equação que Ninguém Conseguia Resolver, Mário Lívio


     Olá doidos. Este post será outro post duplo também, sobre Livro/Biografia, já que duas biografias muito interessantes são abordadas no livro A Equação que Ninguém conseguia Resolver, de Mário Livio. Só que no livro, o autor não foca somente na vida desses dois gênios da matemática, e sim vai desde o início da história da ciência e matemática, evoluindo as idéias, tornando a leitura bastante acessível. O livro trata basicamente de Equações (igualdades), como por exemplo 3x + 5 = 11. Essa é uma equação do primeiro grau simples de resolver. Já a equação de segundo grau (x²) já foi mais desafiadora para os matemáticos descobrirem uma fórmula para simplificar sua resolução, cabendo ao grande matemático hindu Báskara criar a famosa Fórmula de Báskara. As equações de terceiro grau (x³) criaram dificuldade ainda maiores, e as de quarto grau também, mas foram solucionadas no período de 1500. Mas as equações de quinto grau atormentou os mais brilhantes matemáticos do mundo, que não conseguiam resolve-la. A tarefa parecia impossível, até que dois jovens prodígios, separadamente, descobriram que ela não poderia ser resolvida pelos métodos tradicionais e revolucionaram a história da matemática. Eles eram o norueguês Niels Henrik Abel (1802-29) e o francês Évariste Galois (1811-32). Além da genialidade, a trajetória dos dois teve outro ponto em comum: ambos morreram jovens, de maneira trágica. E será a biografias desses dois jovens gênios o foco deste post.
     Niels Henrik Abel nasceu em 5 de agosto de 1802. Segundo filho de um pastor luterano, teve o mesmo como professor até os 13 anos. Em 1815, Niels Henrik foi enviado à Escola da catedral, em Oslo. O professor de matemática, um tal de Hans Peter Bader, era um homem bruto, que aterrorizava as crianças e frequentemente moías os alunos de pancadas. No início, as notas de Abel eram satisfatórias, no ano seguinte o desempenho estava em curva descendente, depois de ter sido surrado várias vezes por Bader, resolveu se afastar por um tempo. Em 1817, Bader foi demitido, e o professor substituto Bernt Micheal Holmboa introduziu um novo programa que começava com exercícios para que os alunos entendessem os símbolos matemáticos. Não levou muito tempo para despertar o gênio matemático dentro de Abel. Em seu boletim Homlboe escreveu em seu boletim: "Será, se viver, maior matemático do mundo." Mal sabia Bert, que as palavras "se viver" acabaram se tornando tragicamente proféticas. Em seu último ano na escola, Abel fez a primeira tentativa de desenvolver seu potencial. Ele tentou nada menos que resolver a equação quíntica, um problema  matemático como qual os melhores matemáticos da Europa tinha lutado por quase três séculos, e agora um aluno do colegial afirmava ter resolvido. Abel mostrou a solução para Holmboe, que não encontrou nada errado. Holmboe apresentou  a solução a dois matemáticos da Universidade de Oslo, que também não encontraram erro na solução. Holmboe decidiu apresentar a solução ao principal matemático escandinavo Ferdinand Degen.
     Degen apesar de não ter encontrado erro, pediu a Abel que lhe enviasse "uma dedução mais detalhada de seu trabalho e uma ilustração numérica". Para seu desgosto, ao tentar produzir exemplos, ele encontrou um erro em sua solução. Embora o gênio matemático estivesse começando a brilhar, os céus estavam se escurecendo na frente familiar. Em 1820, profundamente desiludido com problemas financeiros o pai de Abel se afoga no alcool, vindo a falecer rapidamente. Sua mãe e cinco irmão foram deixados com uma minúscula pensão para sobreviver. Reduzido a extrema pobreza, após a morte do pai, Abel conseguiu se matricular na Universidade de Oslo em 1821, graças a ajuda de alguns professores. Sem condições financeira para se sustentar, num ambiente onde o contato pessoal entre alunos e professores era desencorajado e os professores adotavam atitudes distantes e reservada, não menos que três professores resolveram ajudar Abel com seus próprios recursos, até 1824, quando ele começou a receber um minguado salário. Durante os primeiros anos Abel se tornou um convidado frequente na casa do professor Christofer Hansteen e foi em um peródico indicado por Hansteen que Abel publicou seus primeiros trabalhos. Os dois primeiros trabalho não foram de estremecer a terra, mas sua terceira publicação, "Soluções de um par de proposições por meio de integrais definidas", abordou oque mais tarde iria se tornar a base da matemática da radiologia moderna (pela qual o físico Cormack e o engenheiro Hounsfield receberia o prêmio Nobel de Medicina em 1979).
     Enquanto isso o professor Hansteen procurava outros meios de sustentar financeiramente os trabalhos de Abel, e permitir que ele viajasse ao exterior para expandir os horizontes. Abel conseguiu uma doação pessoal para conseguir viajar à Dinamarca conhece Degen e outros matemáticos. Abel passou as férias de verão em 1823 em Copenhague e lá descobriu que "os homens da ciência pensam que a Noruega é pura barbárie" e fez de tudo para convencer ao contrário.Nessa viagem ele também conheceu sua futura noiva, Christine Kemp. O natal de 1824 Abel anunciou que estava noivo e iria se casar. Infelizmente Neils Henrik nunca chegou a se casar com Christine, pois naquela época era impensável que alguém se casasse antes de ter meios de sustentar uma família. Ao voltar de Copenhague, Abel estava decido a trabalhar novamente na solução das equeções quínticas. Em vez de atacar novamente o problema procurando uma solução, ele estava determinado a provar que não existia uma solução por fórmula. Depois de alguns meses de intenso trabalho, ele finalmente pôs fim a sua busca. O estudante norueguês de 21 anos demonstrou de forma rigorosa e inequívoca que é impossível encontrar uma solução para uma equação quíntica que possa ser expressa por uma simples fórmula (não quer dizer que ela não possa ser resolvida, apenas diz que não existe uma "fórmula de Báskara" para equações quínticas).
     A descoberta de Abel mudou toda abordagem das equações , de meras tentativas de encontrar soluções à necessidade de demonstrar se soluções de certos tipos de fato existem. Sabendo da importância de sua descoberta, ele transcreveu sua demonstração em um folheto em Francês (não como os anteriores que foram escritos no inacessível norueguês), pagou a impressão desse folheto do próprio bolso (provavelmente abrindo mão de um bom número de refeições), e para economizar resumiu o artigo para apenas seis páginas, enviando a seus amigos em Copenhague e ao grande Carl Friedrich Gauss. Ao contrário que se esperava o artigo recebeu pouca atenção. Gauss sequer se deu o trabalho de abrir o folheto (após sua morte o artigo foi encontrado fechado, não cortado). Uma das maiores obras-primas da matemática não teve leitores.
     Por volta dessa época os professores Hansteen e Rasmussen concluíram que para que ele realizasse todo seu potencial ele deveria concluir seus estudos no maior centro intelectual da Europa. Eles solicitaram ao governos norueguês uma verba para a viagem de Abel. Após muita burocracia o departamento financeiro liberou a bolsa para Abel, apesar da terrível crise financeira que passavam. Contudo, uma cláusula omissa dizia que não seria destinado nenhum dinheiro para patrocinar Abel em seu retorno para casa. Essa cláusula acabaria tendo consequências devastadores.
     Em setembro de 1825, Abel iniciou sua viagem apara Paris, passando antes por Berlim, onde conheceu o engenheiro Auguste Crelle (1780 - 1855), que se tornou seu amigo e protetor. Crelle pretendia criar um periódico de alto nível, e utilizou os trabalhos de Abel no primeiro número da publicação, a primeira sendo totalmente voltada à matemática - hoje o famoso Journal für die reine und angewandte Mathematik. Em meio a essas impressionantes proezas matemáticas, a cruel realidade da situação financeira continuou a atormentar Abel. Com sua modesta bolsa, ele também sustentava parcialmente seus irmãos. Quando o professor Rasmussen pediu demissão da universidade, abriu a oportunidade que Abel sempre sonhara - um emprego na universidade. Porém a vaga foi preenchida por seu professor Holmboe. Desapontado, Abel informou a Christine que seus planos de casamento teriam de ser adiados. Apesar dos problemas financeiros,  aquele inverno em Berlim foi o mais produtivo de sua vida, colaborando com artigos de cálculo integral e teoria das somas de séries infinitas.
     Após Berlim, Abel vai para a capital matemática do mundo, Paris. Durante seus poucos meses em Paris, Abel trabalhou incessantemente naquilo que iria se tornar o Teorema de Abel, que trata de uma classe especial de funções conhecidas como transcendentais, que seria seu maior tratado até então, com 67 páginas. Quando estava concluído, Abel mal conseguia conter seu entusiasmo. Ele submeteu o artigo à Academia Francesa de Ciências, aos cuidados de Legendre e Couchy, mas novamente despertou pouca atenção. Sozinho em Paris, Abel fez poucos amigos, sobrevivendo com recursos cada vez menores, um humor cada vez mais deprimido e saúde em deterioração. O que Abel imaginou ser um resfriado começou a incomodá-lo e ele deve ter consultado alguns médicos que chegaram num diagnóstico alarmante - tuberculose. Recusando-se a admitir seu problema de saúde e com os fundos secando, Abel decidiu voltar a Berlim. Logo após sua chega ele adoeceu, os primeiros sinais de sua saúda em rápida deterioração. Crelle fez o melhor que pôde para ajudar Abel. Milagrosamente, nem seus problemas de saúde e financeiro impediram Abel de concluir seu mais extenso trabalha, "Pesquisa das Funções Elípticas". Crelle tenta convencer Abel a permanecer em Berlim até que ele conseguisse garantir um cargo para ele lá.
     Contudo, cansado e com uma enorme saudade de casa, em 1827 Abel, fortemente endividado e sem perspectiva de conseguir um cargo, resolve voltar para noruega. Com sua saúde deteriorando, durante os anos 1927 e 1928 na noruega, seus antigos e novos trabalhos começaram a se espalhar entre os grandes matemáticos da Europa. Com reconhecimento da genialidade de Abel se espalhando, quatro eminentes membros da Academia Francesa de Ciências escreveram ao rei carlos XIV da Noruega e pediram que ele tratasse de criar um cargo proporcional aos talentos de Abel. O esforço não surtiu nenhum efeito. Depois de uma noite de martírios em 5 de abril de 1829, o jovem gênio norueguês faleceu. Em 8 de abril, ainda sem saber da morte de Abel, Crelle lhe escreve de Berlim dando a boa notícia que o governo de Berlim lhe dará um emprego. Ao se familiarizar com o trabalho de Abel, o grande matemática Carl Gustav Jacobi escreveu a Legendre: "Que descoberta de Herr Abel, esta generalização da integrall de Euler! Alguém alguma vez viu algo assim? Mas como é possível essa descoberta, talvez a mais importante de nosso século, não tenha recebido a sua atenção e de seus colegas depois de ter sido comunicada à Academia há mais de dois anos?" Em 28 de junho de 1930, a Academia Francesa de Ciências anunciou que o grande Prêmio por realizações matemáticas. Em 2002, por ocasião do bicentenário do matemático, o governo da Noruega criou o Prêmio Niels Henrik Abel, no valor de 6 milhões de coroas norueguesas, a ser entregue, anualmente, aos matemáticos notáveis.
     Mais impressionante e trágica é a história do matemático francês Évariste Galois. Durante a madrugada inteira do dia 30 de maio de 1832, o jovem de Galois escreveu, páginas e páginas de cálculos e números matemáticos, idéias elaboradas em sua curta vida. Nas margens das páginas, como demonstração de desespero, ele escreve: "não tenho tempo, não tenho tempo!!!". Ele sabia que estaria morto ao amanhecer, provavelmente com um tiro na testa. Tinha apenas 20 anos, mas muita coisa a dizer. Principalmente sobre os números que vinha rabiscando de maneria confusa há 4 anos.
    Doze anos depois, os rascunhos – e as anotações insanas daquela noite – foram finalmente examinados. O rapaz Galois era um gênio! Sua complexa teoria de grupos abria todo um novo campo para a álgebra. Algo que no século seguinte seria fundamental para o desenvolvimento dos computadores, por exemplo. Mas em 1832 nada disso parecia possível. O jovem Évariste estava atolado até o pescoço em uma confusão dos diabos. Ou melhor, diversas confusões. A escalada começou em 1829, com o suicídio inesperado de seu pai após uma briga feia com inimigos monarquistas. O país estava dividido em facções apaixonadas, opondo católicos a protestantes, republicanos a monarquistas, e Galois resolvera ser republicano até a morte.
     Évariste nasceu em Bourg-La-Reine, próximo à Paris, em 1811. Seu pai, Nicolas-Gabriel Galois era um homem culto, amante da filosofia e liberdade, chegou a ser respeitado prefeito de Bourg-La-Reine. A mãe, Adelaide-Marie Demante, descendia de uma família de juristas e recebeu uma educação clássica e religiosa. Generosa e de forte caráter foi responsável pela educação de seu filho até aos 11 anos. Além da educação habitual, Galois recebeu de sua mãe formação em Grego, Latim e ensinamentos religiosos. A sucessão de acontecimentos que marcaram a  sua vida trágica começou quando ingressou no Liceu Louis-le-Grand aos 12 anos. Devido a educação elevada que receber, entrou diretamente para o quarto anos, e não teve problemas para obter boas notas. O Liceu Louis-le-Grand era uma instituição de prestígio e autoritária. No primeiro período da escola, devido às lutas entre republicanos e monárquicos, a maioria dos estudantes planejou uma rebelião. Uma dúzia de líderes foi expulsa. No dia seguinte foi exigida uma demonstração de fidelidade a Luís XVIII. Muitos se recusaram. Mais de cem foram expulsos. Galois, muito jovem para se envolver na fracassada rebelião, ao ver seus colegas serem humilhados, aumentou suas tendências republicanas.
     O ano seguinte marcou Galois, ao ter iniciado as aulas de matemática, e ter tido acesso ao excelente livro de Geometria escrito por Legendre, o seu entusiasmo pela disciplina cresceu. Por esta altura o seu gênio matemático manifestou-se, pois aprendia numa leitura aquilo que normalmente os alunos aprendiam em dois anos. Em seguida, leu independentemente, um livro avançado sobre Álgebra escrito por Lagrange. Entretanto seu interesse nas obras clássicas e outras disciplinas desapareceu, o que o levou a ser reprovado em Retórica. Diziam seus professores: "este aluno só se preocupa com os altos campos da matemática; a loucura matemática domina este garoto; seria melhor para ele se seus pais o deixassem estudar apenas isto, de outro modo ele está perdendo tempo aqui e não faz nada senão atormentar seus professores e sofrer castigos."
     O conhecimento de Galois pela matemática logo superou o conhecimento do seu professor. Passou a estudar diretamente dos livros escritos pelos gênios de sua época. Rapidamente absorveu os conceitos mais modernos e com a idade de dezessete anos publicou seu primeiro trabalho nos Annales de Gergonne. Havia um caminho claro para o jovem prodígio, mas seu brilho seria o maior obstáculo ao seu progresso. Embora soubesse mais matemática do que seria necessário para passar nas provas do Liceu, as soluções de Galois eram freqüentemente tão sofisticadas e inovadoras que seus professores não conseguiam julgá-las corretamente. Além disto, Galois fazia muitos cálculos de cabeça, sem transcrevê-los, deixando os professores frustrados e perplexos. Quando prestou exame para a École Polytechnique, o mais prestigiado colégio de seu país, os seus modos rudes e a falta de explicações na prova oral fizeram com que sua admissão fosse recusada. Desejando desesperadamente frequentar a Polytechnique,  por sua excelência como centro acadêmico e por ser um centro do ativismo republicano, tentou no ano seguinte nela ingressar e, mais uma vez seus saltos lógicos na prova oral só confundiram o examinador, Monsieur Dinet. Percebendo que estava a ponto de ser reprovado pela segunda vez, Galois perdeu a calma e jogou um apagador em Dinet, acertando em cheio. Nunca mais ele voltaria a entrar nas famosas salas da Polytechnique.
     Sem se abalar pelas reprovações, Évariste continuou suas pesquisas, principalmente pela buscas das soluções das equações quadráticas, e por uma receita para resolver equações de quinto grau, um dos grandes desafios da época. Ele fizera progressos suficientes para submeter dois trabalhos de pesquisa à Academia de Ciências. Cauchy ficou muito impressionado com o trabalho do jovem e o julgou capaz de participar na competição pelo Grande Prêmio de Matemática da Academia. Infelizmente em 1829 um novo sacerdote jesuita chegou em Bourg-La-Reine, onde seu pai ainda era prefeito. Não gostando das simpatias republicanas do prefeito, o sacerdote iniciou uma campanha para depô-lo. Escreveu uma série de versos vulgares ridicularizando os membros da sociedade e assinou com o nome do prefeito. O velho Galois não pode suportar a vergonha e o embaraço resultantes e se suicidou. Évariste Galois voltou para assistir ao enterro do pai e viu pessoalmente as divisões que o sacerdote tinha criado. Quando o caixão estava sendo baixado à sepultura, tendo os partidários do prefeito percebido ter sido tudo uma trama para depô-lo, iniciou-se uma briga que se transformou em tumulto, o caixão atirado para dentro da cova. Ver o sistema francês humilhar e destruir seu pai consolidou o apoio fervoroso de Galois para a causa republicana.
     Voltando a Paris, Galois juntou seus dois trabalhos num só e os enviou para o secretário da Academia, Joseph Fourier, bem antes do limite do prazo. Fourier por sua vez devia entregá-lo para o comitê de avaliação. O trabalho de Galois não apresentava uma solução para os problemas do quinto grau, mas oferecia uma visão tão brilhante que muitos matemáticos, incluindo Cauchy, o consideravam como o provável vencedor. Para espanto de Cauchy e seus amigos, o trabalho não ganhou o prêmio e nem foi oficialmente inscrito. Fourier morrera algumas semanas antes da data da decisão dos juízes  e embora um maço de trabalhos tivesse sido entregue ao comitê, o de Galois não estava entre eles. Galois achou que seu trabalho fora propositalmente perdido devido às orientações políticas da Academia.
      Em 4 de dezembro de 1830, o gênio contrariado tentou se tornar um rebelde profissional alistando-se na Artilharia da Guarda Nacional. Tratava-se de um ramo de milícia conhecido também como "inimigos do povo". Antes do fim do mês o novo rei, Louis-Phillipe, ansioso em evitar novas rebeliões, extinguiu a Artilharia da Guarda e Galois se viu desamparado e sem lar. Um fato documentado por Alexandre Dumas, (autor de Os Três Mosqueteiros) que estava em um no restaurante quando houve um banquete em homenagem a dezenove republicanos acusados de conspiração. "Subitamente, no meio de uma conversa particular que eu estava tendo com a pessoa à minha esquerda, ouvi o nome Louis-Phillipe seguido de assobios. Virei-me para olhar e presenciei uma cena muito agitada. Um jovem que erguera seu cálice em saudação, segurava um punhal e estava tentando se fazer ouvir – era Évariste Galois, um dos mais ardentes republicanos. Tudo que consegui entender foi uma ameaça e o nome de Louis-Phillipe sendo mencionado: o punhal na mão do rapaz tornava tudo muito claro." Estava claro que o episódio teria sérias conseqüências. Dois ou três dias depois Évariste Galois foi preso. Ficou na prisão durante um mês, acusado de ameaçar a vida do rei e levado a julgamento. Um júri simpático e a idade do rapaz, ainda com apenas vinte anos, levaram à sua absolvição. Mas no mês seguinte ele foi preso de novo, sentenciado a seis meses de prisão. Uma semana depois um franco-atirador, num sótão do lado oposto da prisão, disparou um tiro contra a cela, ferindo um homem que estava ao lado de Galois, que ficou convencido ser a bala destinada a ele, havendo um complô do governo para assassiná-lo. O medo da perseguição política o aterrorizava. O isolamento dos amigos e da família e a rejeição de suas idéias matemáticas o mergulharam na depressão. Bêbado, ele tentou se matar com uma faca, mas seus colegas conseguiram desarmá-lo.
     Em março de 1832, um mês antes do final da sentença, irrompeu uma epidemia de cólera em Paris e os prisioneiros de Sainte-Pélagie foram libertados. O que aconteceu com Galois nas semanas seguintes tem motivado muita especulação, mas o que se sabe com certeza é que a tragédia foi o resultado de um romance com uma mulher misteriosa, chamada Stéphanie-Félice Poterine du Motel, filha de um respeitado médico parisiense. Embora ninguém saiba como o caso começou, os detalhes de seu trágico fim estão bem documentados. Stephanie já estava comprometida com um cidadão chamado Pescheux d’Herbinville, que descobriu a infidelidade de sua noiva. Furioso e sendo um dos melhores atiradores da França não hesitou em desafiar Galois para um duelo ao raiar do dia. Évarist conhecia a perícia de seu desafiante com a pistola. Na noite anterior ao confronto, que ele acreditava ser a última oportunidade que teria para registrar suas idéias no papel, ele escreveu cartas para os amigos explicando as circunstâncias. "Eu peço aos patriotas, meus amigos, que não me censurem por morrer por outro motivo que não pelo meu país. Eu morri vítima de uma infame namoradeira e dos dois idiotas que ela envolveu. Minha vida termina em conseqüência de uma miserável calúnia. Ah! Por que tenho que morrer por uma coisa tão insignificante e desprezível? Eu peço aos céus que testemunhem que foi apenas pela força e a coação que eu cedi à provocação que tentei evitar por todos os meios".
     Apesar de sua devoção à causa republicana e seu envolvimento romântico, Galois mantivera sua paixão pela matemática. Um de seus maiores temores era de que sua pesquisa, rejeitada pela Academia, se perdesse para sempre. Em uma tentativa desesperada de conseguir reconhecimento, ele trabalhou a noite toda, escrevendo o teorema que explicaria o enigma da equação do quinto grau. As páginas eram, na maior parte, uma transcrição das idéias que ele já enviara a Cauchy e Fourier, mas ocultas em meio à complexa álgebra havia referências ocasionais a "Stéphanie", ou "une femme", e exclamações de desespero – "Eu não tenho tempo, eu não tenho tempo!" No final da noite, quando seus cálculos estavam completos, ele escreveu uma carta explicativa ao seu amigo Auguste Chevalier, pedindo que, caso morresse, aquelas páginas fossem enviadas aos grandes matemáticos da Europa. "Meu Querido Amigo: Eu fiz algumas novas descobertas em análise. A primeira se refere à teoria das equações do quinto grau e as outras, a funções integrais. Na teoria das equações eu pesquisei as condições para a solução de equações por radicais. Isto me deu a oportunidade de aprofundar esta teoria e descrever todas as transformações possíveis em uma equação, mesmo que ela não seja resolvida pelos radicais. Está tudo aqui nesses três artigos… Em minha vida eu freqüentemente me atrevi a apresentar idéias sobre as quais não tinha certeza. Mas tudo que escrevi aqui estava claro em minha mente durante um ano e não seria do meu interesse deixar suspeitas de que anunciei um teorema dos quais não tenho a demonstração completa. Faça um pedido público a Carl Gustav Jakob Jacobi ou Gauss para que dêem suas opiniões, não pela verdade mas devido à importância desses teoremas. Afinal, eu espero que alguns homens achem valioso analisar esta confusão. Um abraço caloroso. E. Galois"
     Na manhã seguinte, Quarta-feira, 30 de maio de 1832, num campo isolado, Galois e d’Herbinville se enfrentaram a uma distância de vinte e cinco passos, armados com pistolas. D’Herbinville viera acompanhado de dois assistentes, Évarist Galois estava sozinho. Ele não contara a ninguém sobre seu drama. Um mensageiro que enviara ao seu irmão Alfred, só entregaria a notícia depois do duelo terminado. E as cartas que escrevera na noite anterior só chegariam aos seus amigos vários dias depois. As pistolas erguidas e disparadas. D’Herbinville continuou de pé. Galois foi atingido no estômago. Ficou agonizando no chão. Não havia nenhum cirurgião por perto e o vencedor foi embora calmamente, deixando seu oponente ferido para morrer. Algumas horas depois Alfred chegou ao local e levou seu irmão para o hospital Cochin. Era muito tarde, já ocorrera uma peritonite e no dia seguinte Galois faleceu. Antes de morrer disse para seu irmão: "- Não chore, preciso de toda a minha coragem para morrer aos vinte anos"

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

HERESIA !!!!

Segue outro vídeo bacana.
É uma versão dublada da séria "Tributo a Carl Sagan"
Esse peguei do blog Coletivo Ácido Acético.


quarta-feira, 31 de outubro de 2012

O ensino da Física no Brasil, segundo Richard Feynman

     Em relação à educação no Brasil, tive ma experiência muito interessante. Eu estava dando aulas para um grupo de estudantes que se tornariam professores, uma vez que àquela época não havia muitas oportunidades no Brasil para pessoal qualificado em ciências. Esses estudantes já tinham feitos muitos cursos, e esse deveria ser o curso mais avançado em eletricidade e magnetismo - equações de Maxwell, e assim por diante.
     Descobri um fenômeno muito estranho: eu podia fazer uma pergunta e os alunos respondiam imediatamente. Mas quando eu fizesse a pergunta de novo - o mesmo assunto e a mesma pergunta, até onde eu conseguia - eles simplesmente não conseguiam responder! Por exemplo, uma vez eu estava falando sobre a luz polarizada e dei a eles alguns filmes polaróides. O polaróide só passa luz cujo vetor elétrico esteja em uma determinada direção; então expliquei como se pode dizer em qual direção está polarizada, baseando-se em se o polaróide é escuro ou claro
     Primeiro pegamos duas filas de polaróide e giramos até que elas deixassem passar a maior parte da luz. A partir disso, podíamos dizer que as duas fitas estavam admitindo a luz polarizada na mesma direção - o que passou por um pedaço de polaróide também poderia passar pelo outro. Mas, então, perguntei como se poderia dizer a direção absoluta da polarização a partir de um único polaróide. Eles não faziam a menor ideia.
     Eu sabia que havia um pouco de ingenuidade; então dei uma pista: "Olhe a luz refletida da baía lá fora".
     Ninguém disse nada. Então eu disse: "Vocês já ouviram falar do ângulo de Brewster?"
     - Sim, senhor! O ângulo de Brewster é o ângulo no qual a luz refletida de um meio com um índice de refração é completamente polarizada.
     - E em que direção a luz é polarizada quando é refletida?
     - A luz é polarizada perpendicular ao plano de reflexão, senhor. Mesmo hoje em dia eu tenho de pensar: ele sabiam fácil! Eles sabiam até que a tangente do ângulo igual ao índice! Eu disse: "Bem?"
     Nada ainda. Eles tinham simplesmente que a luz fletida de um meio com um índice, tal como a baía lá fora, era polarizada: eles tinham me dito até em qual direção ela estava polarizada.
     Eu disse: "Olhem a baía lá fora, pelo polaróide. Agora virem o polaróide".
     - "Ah! Está polarizada!", eles disseram.
     Depois de muita investigação, finalmente descobri que os estudantes tinham decorado tudo, mas não sabiam o que queria dizer. Quando eles ouviram "luz que é refletida de um meio com um índice", eles não sabiam que isso significava um material como a água. Eles não sabiam que a "direção da luz" é a direção na qual você vê alguma coisa quando está olhando, e assim por diante. Tudo estava totalmente decorado, mas nada havia sido traduzido em palavas que fizessem sentido. Assim, se eu perguntasse: "O que é o ângulo de Brewster?", eu estava entrando no computador com a senha correta. Mas se eu digo: "Observe a água", nada acontece - eles não têm nada sob o comando "Observe a água".
     Depois participei de uma palestra na faculdade de engenharia. A palestra foi assim: "Dois corpos..... são considerados equivalentes... se torques iguais... produzirem... aceleração igual. Dois corpos são considerados equivalente se torque iguais produzirem aceleração igual". Os estudantes estavam todos sentados lá fazendo anotações e, quando o professor repetia a frase, checavam para ter certeza de que haviam anotado certo. Então eles anotavam a próxima frase, e a outra, e a outra. Eu era o único que sabia que o professor estava falando sobre objetos com o mesmo momento de inércia e era difícil descobrir isso.
     Eu não conseguia ver como eles aprenderiam qualquer coisa daquilo. Ele estava falando sobre momentos de inércia, mas não se discutia quão difícil é empurrar uma porta para abrir quando se coloca muito peso do lado de fora, em comparação quando você coloca perto da dobradiça - nada!
     Depois da palestra, falei com um estudante: "Vocês fizeram uma porção de anotações - o que vão fazer com elas?"
     - Ah, nós as estudamos, ele diz. Nós teremos uma prova.
     - E como vai ser a prova?
     - Muito fácil. Eu posso dizer agora uma das questões. Ele olha em seu caderno e diz: "Quando dois corpos são equivalente?" E a resposta é: "Dois corpos são considerados equivalentes se torques iguais produzirem aceleração igual". Então, você vê. eles podiam passar nas provas, "aprender" essa coisa todas e não saber nada, exceto oque eles tinham decorado.
     Então fui a um exame de admissão para a faculdade de engenharia. Era uma prova oral e eu tinha permissão para ouvi-la. Um dos estudantes foi absolutamente fantástico: ele respondeu tudo certinho! Os examinadores perguntaram a ele o que era diamagnetismo e ele respondeu perfeitamente. Depois eles perguntaram: "quando a luz chega a um ângulo através de uma lâmina de material com uma determinada espessura, e um certo índice N, o que acontece com a luz?
     - Ela aparece paralela a si própria, senhor - deslocada.
     - E em quanto ela é deslocada?
     - Eu não sei, senhor, mas posso calcular. Então, ele calculou. Ele era muito bom. Mas, a essa época eu tinha minhas suspeitas.
     Depois da prova, fui até esse brilhante jovem e expliquei que eu era dos Estados Unidos e que eu queria fazer algumas perguntas a ele que não afetariam, de forma alguma, os resultados da prova. A primeira pergunta que fiz foi: " Você poderia me dar algum exemplo de uma substância diamagnética?"
     - Não.
     Aí eu perguntei: "Se esse livro fosse feito de vidro e eu estivesse olhando através dele alguma coisa sobre a mesa, o que aconteceria com a imagem se eu inclinasse o copo?"
     - Ela seria defletida, senhor, em duas vezes o ângulo que o senhor tivesse virado o livro.
     Eu disse: "Você não fez confusão com um espelho, fez?"
     - Não senhor!
     Ele havia acabado de me dizer na prova que a luz seria deslocada, paralela a si própria e, portanto, a imagem se moveria para um lado, mas não seria alterada por ângulo algum. Ele havia até mesmo calculado em quanto ela seria deslocada, mas não percebeu que um pedaço de vidro é um material com um índice e que o cálculo dele se aplicava à minha pergunta.
     Dei um curso na faculdade de engenharia sobre métodos matemáticos na física, no qual tentei demonstrar como resolver os problemas por tentativa e erro. É algo que as pessoas geralmente não aprendem; então comecei com alguns exemplos simples para ilustrar o método. Fiquei surpreso porque apenas cerca de um entre cada dez alunos fez a tarefa. Então fiz uma grande preleção sobre realmente ter de tentar e não só ficar sentado me vendo fazer.
     Depois da preleção, alguns estudantes formaram uma pequena delegação e vieram até mim, dizendo que eu não havia entendido os antecedentes deles, que eles podiam estudar sem resolver os problemas, que eles já haviam aprendido aritmética e que essa coisa toda estava abaixo do nível deles.
     Então continuei a aula e, independente de quão complexo ou obviamente avançado o trabalho estivesse se tornando, eles nunca punham a mão na massa. É claro que eu já havia notado o que acontecia: eles não conseguiam fazer!
     Uma outra coisa que nunca consegui que eles fizessem foi perguntas. Por fim, um estudante explicou-me: "Se eu fizer uma pergunta para o senhor durante a palestra, depois todo mundo vai fizer me dizendo: Porque você está fazendo a gente perder tempo na aula? Nós estamos tentando aprender alguma coisa, e você está interrompendo, fazendo perguntas."
     Era como um processo de tirar vantagens, no qual ninguém sabe o que está acontecendo e colocam os outros para baixo como se eles realmente soubessem. Eles todos fingem que sabem, e se um estudante faz uma pergunta, admitindo por um momento que as coisas estão confusas, os outros adotam uma atitude de superioridade, agindo como se nada fosse confuso, dizendo àquele estudante que ele está desperdiçando o tempo dos outros.
     Expliquei a utilidade de se trabalhar em grupo, para discutir as dúvidas, analisá-las, mas eles também não faziam isso porque estariam deixando cair a máscara se tivessem de perguntar alguma coisa a outra pessoa. Era uma pena! Eles, pessoas inteligente, faziam todo o trabalho, mas adotaram essa estranha forma de pensar, essa forma esquisita de autopropagar a "educação", que é inútil, definitivamente inútil!

Uma palestra para as autoridades brasileiras

     Ao final do ano acadêmico, os estudantes pediram-me para dar uma palestra sobre minhas experiências com o ensino no Brasil. Na palestra, haveria não só estudantes, mas também professores e oficiais do governo. Assim, prometi que diria o que quisesse. Eles disseram: "É claro. Esse é um país livre."
     Aí eu entrei, levando os livros de física elementar que eles usaram no primeiro ano de faculdade. Eles achavam esses livros bastante bons porque tinham diferentes tipos de letra - negrito para as coisas mais importantes para se decorar, mais claro para as coisas menos importantes, e assim por diante. Imediatamente, alguém disse: "Você não vai falar sobre o livro vai? O homem que o escreveu está aqui, e todo mundo acha que esse é um bom livro."
     - Você me prometeu que eu poderia dizer o que quisesse. O auditório estava cheio. Comecei definindo ciência como um entendimento do comportamento da natureza. Então perguntei: "Qual um bom motivo para lecionar ciência? É claro que país algum pode considerar-se civilizado a menos que... pá, pá, pá...." Eles estavam todos concordando, porque eu sei que é assim que eles pensam.
     Aí eu disse: "Isso, é claro, é um absurdo, porque qual o motivo pelo qual temos de nos sentir em pé de igualdade com outro país? Nós temos de fazer as coisas por um bom motivo, uma razão sensata; não apenas porque os outros países fazem." Depois, falei sobre a utilidade da ciência e sua contribuição para melhoria da condição humana, e toda essa coisa - eu realmente os provoquei um pouco. Daí eu disse: "O principal propósito da minha apresentação é provar aos senhores que não se está ensinando ciência alguma no Brasil!"
     Eu os vejo se agitar, pensando: "O quê? Nenhuma ciência? Isso é loucura! Nós temos todas essas aulas."
     Então eu digo que uma das primeiras coisas a me chocar quando cheguei ao Brasil foi ver garotos da escolar elementar em livrarias, comprado livros de física. Havia tantas crianças aprendendo física no Brasil, começando muito mais cedo do que as crianças nos Estados Unidos, que era estranho que não houvesse muitos físicos no Brasil - por que isso acontece? Há tantas crianças dando duro e não há resultado.
     Então eu fiz a analogia com um erudito grego que ama a língua grega, que sabe que em seu país não há muitas crianças estudando grego. Mas ele vem a outro país, onde fica feliz em ver todo mundo estudando grego - mesmo as menores crianças nas escolar elementares. Ele vai ao exame de um estudante que está se formando em grego e pergunta a ele: "Quais as idéias de Sócrates sobre a relação entre a Verdade e a Beleza?" - e o estudante não consegue responder. Então ele pergunta ao estudante: "O que Sócrates disse a Platão no Terceiro Simpósio?" O estudante fica feliz e prossegue: "Disso isso, aquilo, e aquilo outro" - ele conta tudo o que Sócrates disse, palavra por palavra, em um grego muito bom. Mas, no Terceiro Simpósio, Sócrates estava falando exatamente sobre a relação entre a Verdade e a Beleza!
     O que esse erudito grego descobre é que os estudantes em outro país aprendem grego aprendendo primeiro a pronunciar as letras, depois as palavras e então as sentenças e os parágrafos. Eles podem recitar, palavra por palavra, o que Sócrates disse, sem perceber que aquelas palavras gregas realmente significam algo. Para o estudante, elas não passam de sons artificiais. Ninguém jamais as traduziu em palavras que os estudantes possam entender.
     Eu disse: "É assim que me parece quando vejo os senhores ensinarem 'ciência' para as crianças aqui no Brasil." (Uma pancada, certo?)
     Então eu ergui o livro de física elementar que eles estavam usando. "Não são mencionados resultados experimentais em lugar algum desse livro, exceto em um lugar onde há uma bola, descendo um plano inclinado, onde ele diz a distância que a bola percorreu em um segundo, dois segundos, três segundos e assim por diante. Os números têm Erros - ou seja, se você olhar, você pensa que está vendo resultado experimentais, porque os números estão um pouco acima ou um pouco abaixo dos valores teóricos. O livro até fala sobre ter de corrigir os erros experimentais - muito bem. No entanto, uma bola descendo em um plano inclinado, se realmente for feito isso, tem uma inércia para entrar em rotação e, se você fizer  a experiência, produzirá cinco sétimos da resposta correta, por causa da energia extra necessária para rotação da bola. Dessa forma, o único exemplo de resultados experimentais é obtido de uma experiência falsa. Ninguém jogou tal bola, ou jamais teria obtidos tais resultados!"
     "Descobri mais uma coisa", eu continuei. "Ao folhear o livro aleatoriamente e ler uma sentença de uma página, posso mostrar qual é o problema - como não há ciência, mas memorização, em todos os casos. Então, tenho coragem o bastante para folhear as páginas agora em frente a este público, colocar meu dedo em uma página, ler e provar para os senhores."
     Eu fiz isso. Brrrrrrrup - coloquei meu dedo e comecei a ler: "Triboluminescência. Triboluminescência é a luz emitida quando os cristais são friccionados..." Eu disse: "E aí, você teve alguma ciência? Não! apenas disseram o que uma palavra significa em termos de outras palavras. Não foi dito nada sobre a natureza - quais cristais produzem luz quando você os fricciona, por que eles produzem luz? Alguém viu algum estudante ir pra casa e experimentar isso? Ele não pode."
     "Mas, se em vez disso, estivesse escrito:  'Quando você pega um torrão de açúcar e o fricciona com um par de alicates no escuro, pode-se ver um clarão azulado. Alguns outros cristais também fazem isso. Ninguém sabe o motivo. O fenômeno é chamado de Triboluminescência.' Aí alguém vai para casa e tenta. Nesse caso, há uma experiência da natureza." Usei aquele exemplo para mostrar a eles, mas não faria qualquer diferença onde eu pusesse meu dedo no livro; era assim em quase toda parte.
     Por fim, eu disse que não conseguia entender como alguém podia ser educado neste sistema de autopropagação, no qual as pessoas passam nas provas e ensinam os outros a passar nas provas, mas ninguém sabe nada. "No entanto", eu disse, "devo estar errado. Há dois estudantes na minha sala que se deram muito bem, e um dos físicos que eu sei que teve sua educação no Brasil. Assim deve ser possível para algumas pessoas achar seu caminho no sistema, ruim como ele é."
     Bem, depois de eu dar minha palestra, o chefe do departamento de educação em ciências levantou e disse: "O Sr. Feynman nos falou algumas coisas que são difíceis de se ouvir, mas parece que ele realmente ama a ciências e foi sincero em suas críticas. Assim sendo, acho que devemos prestar atenção a ele. Eu vim sabendo que temos algumas fraquezas em nosso sistema de educação; o que aprendi é que temos um câncer!" - e sentou-se.
     Isso deu liberdade a outras pessoas para falar, e houve uma grande agitação. Todo mundo estava se levantando e fazendo sugestões. Os estudantes reuniram um comitê para mimeografar as palestras, antecipadamente, e organizaram outros comitê para fazer isso e aquilo.
     Então aconteceu algo que eu não esperava de forma alguma. Um dos estudantes levantou-se e disse: "Eu sou um dos dois estudantes aos quais o sr. Feynman se referiu ao fim de seu discurso. Eu não estudei no Brasil, estudei na Alemanha e acabo de chegar ao Brasil."
     O outro estudante que havia se saído bem em sala tinha algo semelhante a dizer. O professor que eu havia mencionado levantou-se e disse: "Estudei aqui no Brasil durante a guerra quando, felizmente, todos os professores haviam abandonado a universidade: então aprendi tudo lendo sozinho. Dessa forma, na verdade, não estudei no sistema brasileiro. Eu não esperava aquilo. Eu sabia que o sistema era ruim, mas 100 por cento - era terrível!
     Uma vez que eu havia ido ao Brasil por um programa patrocinado pelo Governo dos Estados Unidos, o Departamento de Estado pediu me que escrevesse um relatório sobre minhas experiências no Brasil, e escrevi os principais pontos do discurso que eu havia acabado de fazer. Mais tarde descobri, por vias secretas, que a reação de alguém no Departamento de Estado foi: "Isso prova como é perigoso mandar alguém tão ingênuo para o Brasil. Pobre rapaz; ele só pode causar problemas. Ele não entendeu os problemas." Bem pelo contrário! Acho que essa pessoa no Departamento de Estado era ingênua em pensar que, porque viu uma universidade com uma lista de cursos e descrições, era assim que era.


*Extraído do livro "Deve ser brincadeira, Sr. Feynman!" (título original: "Surely You´re Joking, Mr. Feynman!"), publicado originalmente em 1985, nos Estados Unidos. O autor, Richard P Feynman, nasceu no ano de 1918 no estado de Nova Iorque, nos EUA. Estudou física no M.I.T. e em Princeton, e lecionou em Cornell e no Instituto de Tecnologia da Califórnia. Deu importantes contribuições à Física, participou do Projeto Manhatan e foi considerado uma das mentes mais criativas de seu tempo. Ganhou o prêmio Nobel em 1965 e faleceu em 1988. Na década de 50 ele viveu e lecionou por quase um ano na cidade de Rio de Janeiro.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Deus e Einstein

E para divertir nossa sexta-feira, segue o quadrinho do genial Carlos Ruas, criador de Um Sábado Qualquer


Bom finde a todos

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Admirável Mundo Novo x 1984


    Bom doidinhos. Neste post quero falar de dois livro clássicos de ficção científica, leitura indispensável para qualquer amante de um bom livro. Iniciando por ordem cronológica, iniciarei falando de Admirável Mundo Novo (Brave New World), de Aldous Huxley, publicado em 1932, e depois falarei também do livro 1984 (Nineteen Eight Four), de George Orwell, publicado em 1948. Os dois livros falam de um futuro distópico, que tratam sobre domínio, liberdade, manipulação, e traçam paralelos muito interessantes com a realidade.
     No futuro hipotético de Admirável Mundo Novo, as pessoas são pré-condicionadas biologicamente e condicionadas psicologicamente a viverem em respeito e harmonia com as leis e regras sociais, em uma sociedade organizadas por castas. A história se passa em 751 d. F. (depois de Ford) e inicia contando a visita de um grupo de alunos ao Centro de Incubação e Condicionamento de Londres. Nela o diretor apresenta o processo de fecundação, onde cada novo ser é dividido em classes sociais, sendo os Alfas a casta mais alta, detentores do conhecimento, os Betas, detentores de habilidades específicas para realização das tarefas. E as castas inferiores são Gama, Delta e Ipsilons, que são mão de obra. Estes homens da casta inferiores eram gerados por um processo chamado Bokanovsky (noventa e seis gêmeos retirado de um óvulo só) e tratados pré-natalmente com álcool e outros químicos para controlar o desenvolvimento. Durante o crescimento do bebê, eram submetidos a processos hipnopédicos e condicionamento intelectual, anos ouvindo textos e máximas didáticas repetidas vezes no berços e outras técnicas. Isso garantia que todos respeitassem as leis impostas e vivessem em harmonia. Nessa sociedade, não existe sexo para procriação, somente para prazer, e também não existe o conceito de família. Os homens não tem esposas, nem filhos, nem amantes por quem possam sofrer emoções violentas. Qualquer dúvida e incerteza é controlada por uma droga, a "soma", livre, distribuída pelo governo e sem efeitos colaterais. Nessa sociedade as pessoas são felizes, sentem-se bem, vivem em harmonia. O segredo da felicidade é amar oque se é obrigado a fazer
     Nessa "fábrica de pessoas" trabalham Lenina Crowey e Bernard Marx. Lenina (o nome é uma referência a Vladimir Lenin) é uma beta, linda, condicionada a ser feliz e não amar, realizar suas tarefas na fábrica e servir todos os homens. Bernard Marx (referência a Karl Marx) é um Alfa-mais, insatisfeito com o mundo em que vive, estranho para a sociedade que tentar relutar contra ela para sentir as reais emoções. Ele tem idéias diferentes sobre os esportes e o consumo de soma, pela irregularidade da vida sexual, e recusa-se a obedecer os ensinamentos de Ford. Bernard resolve viajar, juntamente com Lenina, para uma "reserva", o último reduto da civilização antiga. Lá viviam setenta mil índio e mestiços, absolutamente selvagens, sem nenhuma comunicação com o mundo civilizado, conservando seus hábitos e rituais antigos e repugnantes. Durante essa viagem eles conhecem Linda, ex-mulher do Diretor da Incubadora que ficou perdida na reserva durante uma visita anos atrás, e seu filho John, que nunca conheceu o mundo civilizado, embora consiga receber uma educação sobre a língua e a cultura civilizada. Bernard vê a possibilidade de ganhar respeito e derrubar o Diretor da Incubadora levando os dois para apresentar de exemplos de selvagens para a civilização. Linda acaba sendo rejeitada pela sociedade em virtude de sua aparência horrorosa, e pelo fato de ter tido um filho, ato considerado obsceno e impensável e ter crença religiosa era ato de ignorância  John torna-se o centro das atenções e todos desejam vê-lo. O diretor fica desmoralizado e pede demissão da fábrica. Bom, não irei contar toda a estória para não tirar a graça de quem quiser ler.
     Em 1984, George Orwell criou um futuro dividido em três grandes potências: a Oceania (abrange Américas, Austrália, metade sul da África e Inglaterra), a Eurásia (Europa e Rússia) e a Lestásia (China, Japão, Coréia, parte da Índia e países do sudeste da Ásia). O norte da África e o oriente próximo são territórios em frequentes disputas pelas três potências. O livro conta a história de um funcionário do Ministério da Verdade (onde se fabricam verdade, algo como a mídia atual) da Oceania, Winston Smith (referência a Winston Churchill), que vive em uma sociedade totalitária governado pelo Grande Irmão (Big Brother em inglês, isso mesmo foi esse livro que inspirou o programa de TV). Na sala de seu apartamento tem uma Teletela (em todos cantos da cidade tem uma) que é um dispositivo que o governo pode ver e ouvir tudo oque acontece, e pode transmitir ordens. Smith não tem muitas lembranças se sua infância e nem dos anos anteriores à mudança política. Diariamente há um evento chamado Dois Minutos de Ódio, onde todos os cidadãos devem parar seu trabalho para atacar histericamente com gritos e xingamentos o traidor e foragido Emmanuel Goldstein, e depois adorar o Grande Irmão. O governo da Oceania é composto pelos Ministério da Verdade é responsável por alteração de documentos históricos, Ministério do Amor que espiona e controla as pessoas, Ministério da Paz lida com guerra e Ministério da Fartura é responsável pela fome.
     O controle da população se dá principalmente por medo e totalitarismo, espionando as pessoas pelas Teletelas espalhadas em toda cidade e qualquer pessoa que esboça alguma ponta de ideia contrária à ideologia do Partido é torturado pelo Ministério do Amor. Para controlar o pensamento das pessoas o Ministério da Verdade está desenvolvendo um novo idioma, chamado de Novilíngua. Ao contrário das línguas normais, que vão aumentando o número de termos novos e palavras, a Novilíngua tem vários termos retirados de seu dicionário, principalmente sinônimos e antônimos. Por exemplo a palavra mau não existe em Novilíngua. Se temos a palavra bom, o oposto seria imbom, sendo o prefixo im indicando que é o antônimo. O principal motivo para redução de palavras é que essa redução reflete nos pensamentos das pessoas, dificultando as idéias e facilitando o controle, quanto mais restrita a língua mais restrito é o pensamento das pessoas. As principais palavras novas da Novilínguas são Crimidéia, que é o crime ideológico, pensamentos ilegais, Duplipensar, que significa duplicidade de pensamentos, saber que está errado e se convencer que está certo, e Impessoa, uma pessoa que não existe mais e todos seus registros históricos devem ser apagados. No livro,  Orwell expõe a Teoria da Guerra, onde o objetivo não é vencer o inimigo nem lutar por uma causa, e sim manter o poder das classes altas, e limitando a acesso a cultura, educação, saúde e outros recursos básicos para a classe baixa, mantando uma Guerra constante. Algo muito parecido com o que ocorre hoje em dia nos EUA.  No enredo da estória, Winston Smith conhece Júlia, uma bela funcionária do Ministério da Verdade e acaba se apaixonando e se envolvendo com ela. Júlia tem idéias contra o partido, e acaba envolvendo Winston nessas atividades, e a partir daí ele é perseguido pelo partido e, enfim também não quero estragar a história se alguém ainda pretende ler o livro.
     Mas esses dois livros são clássicos da literatura de ficção científica (embora alguns considerem como ficção política) e muitas de suas previsões foram realizadas. Traçando um paralelo entre os dois livros: em 1984 os livros eram censurados e em Admirável os livros não despertava os interesses das pessoas, pois ninguém tinha motivos para ler. Em 1984 a informação era privada aos governantes e em Admirável a informação é tanta que as pessoas se tornaram passivas. Em 1984 a verdade é escondida da população e em Admirável a verdade é soterrada num mar de informações irrelevantes. Em 1984 as pessoas eram controladas pela dor e medo e em Admirável as pessoas eram controladas pelo prazer. Em 1984 o ódio nos destruiria e em Admirável o amor nos destruiria.
     Muitas semelhanças com a realidade né? Mas o mais interessante nos dois livros é que as pessoas são controladas e nem percebiam. Hoje somos controlados e nem percebemos. Em 1984 o partido sabia dos pensamentos da pessoas pelas Teletelas que escutavam as pessoas em todos lugares, hoje colocamos nossos pensamentos livremente em Twitters e Facebooks. Em Admirável a verdade era escondida embaixo de um monte de informações inúteis, hoje em dia temos a televisão e a internet proporcionando isso. Em 1984 as pessoas eram controladas por medo e hoje temos as notícias de guerras e crimes nos jornais. Em Admirável as pessoas eram controladas pelo prazer e hoje temos o carnaval, futebol, consumismo, bares e festas proporcionando esse prazer. Enfim, podemos fazer muito mais comparações, mas recomendo que leiam esses livro e tirem suas próprias conclusões.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

A História da Quarta Dimensão

     No ano de 1905, um jovem cientista chamado Albert Einstein publicou três artigos que revolucionaram o mundo moderno. Em um deles, ele tenta explicar o movimento Browniano (movimentos aleatórios de partículas sobre a água) usando a teoria atômica, que ainda não era bem aceita na época. Em seu segundo artigo, sobre o efeito foto-elétrico (produção de corrente elétrica através usando luz), ele usa a teoria quântica de Max Plank, publicada em 1900, para explicar o fenômeno. Mas foi seu terceiro artigo o mais revolucionário e conhecido Teoria da Relatividade, onde ele introduz o conceito do Tempo como sendo a Quarta Dimensão. Mas antes dele, a Quarta Dimensão já era muito discutida e comentada entre os grandes cérebros da Europa, sendo muitas vezes tratada como misticismo, influenciou muitos trabalhos de cientistas, livros de grandes escritores e obras de artes de gênios.
     O que é Dimensão? Dimensão é algo que podemos mensurar, medir, seja o comprimento, a temperatura, o tempo, etc.... Na Física as dimensões são usadas para descrever fenômenos observados, como os movimentos das estrelas, trajetórias de balas de canhões. A Física Clássica, descreve o Espaço usando três dimensões, a largura, a altura e o comprimento. Essas três dimensões são de fácil compreensão para nós, pois nós crescemos e vivenciamos ela em nosso dia-a-dia. Tentar imaginar uma quarta dimensão espacial dá um nó em nosso cérebro, fica bem além de nossas limitações, e foi aí que Einstein sugeriu uma quarta Dimensão não espacial, e sim temporal. Mas essa discussão começou bem antes de dele.
     Euclides, em seu livro Os Elementos em 300a.C., fez uma compilação dos conhecimentos de sua época, sobre objetos geométricos em até 3 dimensões espacias (largura, altura e profundidade). Esse livro foi a bíblia dos matemáticos e cientistas durante quase 2000 anos seguintes, e serviu de alicerce para toda ciência do renascimento, inclusive a Mecânica Newtoniana. O sucesso da geometria espacial e a impossibilidade de visualizar uma quarta dimensão espacial fizeram que a procura de uma geometria de mais dimensões fosse desestimulada, e os poucos que se atreviam  eram ridicularizados. No século XIX, um matemático alemão chamado Georg Bernhard Riemann, foi o primeiro a estabelecer os fundamentos matemáticos das geométricas no espaço com maior número de dimensões. Riemann mudou o curso da matemática para o século que se seguiu, demonstrando que estes universos, por mais estranhos que possam parecer, são completamente coerentes e obedecem à sua própria lógica interna. Para visualizar algumas de suas idéias, pense em empilhar muitas folhas de papel uma sobre a outra. Agora imagine que cada folha representa todo um mundo e que cada mundo obedece às suas próprias leis, diferentes daquelas de todos os outros. Seres inteligentes poderiam habitar alguns desses planetas, ignorando por completo a existência dos outros.
     Normalmente, a vida em cada um desses mundos paralelos prossegue independente do que se passa nos outros. Em raras ocasiões os planos podem se cruzar e rasgar o próprio tecido do espaço, o que abre um buraco entre esses dois universos. Como o buraco de minhoca que aparece em Jornadas nas Estrelas, essas passagens tornam possível a viagem entre esses mundos. Usando esse conceito, o matemático Charles L. Dodgson, que lecionava na Universidade de Oxford, escreveu vários livros, com o pseudônimo de Lewis Carroll, usando essas estranhas idéias matemáticas. Quando Alice cai no buraco de coelho ou atravessa o espelho, ela entra no País das Maravilhas, um lugar estranho onde gatos desaparecem, cogumelos mágicos transformam crianças em gigantes e o Chapeleiro Maluco celebra desaniversários. Não é de  surpreender que Carroll encontrou entre as crianças uma receptividade muito maior a essas idéias que entre os adultos, cujas idéias preconcebidas sobre espaço e lógica vão se tornando mais rígidas com o passar do tempo. De fato, a teoria de dimensões adicionais do Riemann tornou-se parte permanente da literatura e do folclore infantil, dando origem a outras obras clássicas como a terra de Oz de Dorothy e a Terra do Nunca de Peter Pan.
   Contudo, sem nenhuma confirmação experimental ou motivação física imperativa, essas teorias de mundos paralelos definharam como ramo da ciência. Ao longo de dois milênios, cientistas se detiveram ocasionalmente na ideia de dimensões adicionais, somente para descartá-las como não passível de teste e portanto tola. Embora fosse matematicamente intrigante, a teoria de geometrias mais elevadas de Riemann foi posta de lado como brilhante mas inútil. Os cientistas dispostos a estudá-las logo se viram ridicularizados pela comunidade científica. O espaço multidimensional tornou-se o último refúgio dos místicos, excêntricos e charlatões. Em várias situações a ciência e o misticismo se confundem. Como disse o escritor de ficção científica Arthur C. Clarke: "Mágica é qualquer tecnologia suficientemente avançada."
    Para podermos visualizar melhor a quarta dimensão, vamos primeiro visualizar um mundo em duas dimensões, que seria um mundo plano. Um livro que ilustra bem como seria a vida em um mundo bidimensional, escrito em 1884 pelo clérigo Edwin Abbot, é o Flatland: A Romance of Many Dimensions by a Square. Por causa do intenso fascínio público pelas dimensões adicionais, o livro foi um sucesso instantâneo na Inglaterra. Abbot usou o a controvérsia em torno da quarta dimensão como um veículo de mordaz crítica social e sátira. Em Flatland, seus habitantes os Flatlanders ou Chatolandenses são figuras geométricas bidimensionais. O herói do romance, Sr. Quadrado, é um cavaleiro conservador que vive em uma sociedade estratificada. As mulheres, ocupando o escalão mais baixo da hierarquia social, são meras linhas, os nobres são polígono, ao passo que os Sumos Sacerdotes são círculos. Quanto mais lados as pessoas têm, mais elevada é sua categoria social.
     Discutir a terceira dimensão é estritamente proibido, e quem quer que a mencione é condenado a severa punição. Um dia Sr. Quadrado tem sua vida virada de cabeça para baixo quando ele é visitado por um misterioso Lorde Esfera, um ser tridimensional. Aos seus olhos, Lorde Esfera parece um círculo que pode mudar de tamanho magicamente. Lorde tenta explicar que vem de um outro mundo, chamado Spaceland, onde todos os objetos têm três dimensões. Quadrado não fica convencido, então Lorde Esfera retira Sr. Quadrado do mundo bidimencional e o joga em Spaceland. é uma experiência fantástica, quase mística para o Quadrado. Ao voltar, Quadrado tenta  a contar ao seus conterrâneos as maravilhas da terceira dimensão, os Sumos Sacerdotes o tomam por louco falastrão, e é condenado a passar os resto de suas vidas em uma prisão.
     Apesar do final pessimista, o livro de Abbot foi muito importante pela popularização de uma idéia de como seria uma visita a um mundo de dimensões múltiplas. Para imaginar uma viagem interdimensional, imagine arrancar Sr. Quadrado de Flatland e jogá-lo no ar. Digamos que, enquanto flutua por nosso mundo tridimensional, ele topa com um ser humano. Como Square nos veria? Como seus olhos bidimensionais só podem ver fatias planas de nosso mundo, um ser humano lhe pareceria um objeto feio e assustador. Primeiro ele veria duas figuras ovais de couro a sua frente, nossos sapatos. Quando é arrastado para cima essas duas figuras mudam de cor e forma e se transformam em dois círculos de tecido, as nossas pernas, até  se misturarem em um único círculo ovalado, nossa cintura. Depois aparecem mais dois círculos, os braços e mudam de cor, a cor de nossa camisa, e conforme continuam subindo os três círculos se junto em um só círculo de carna, nossa cabeça. Para ele, os misteriosos seres humanos são um amontoado apavorante de círculos e formas em constante mutação.
     De maneira semelhante, se fôssemos arrancados de nosso universo tridimensional e arremessados na quarta dimensão, constataríamos que o senso comum se torna inútil. Enquanto derivamos pela quarta dimensão, bolhas e formas estranhas surgem do nada diante de nosso olhos, mudando de forma e cor constantemente. E para reconhecermos diferentes criaturas quadridimensionais teríamos que distingui-las pelas diferenças no modo que essas bolhas mudam.
     Durante muitos anos, os cientistas tentavam "ver" a Quarta Dimensão". E foi um matemático inglês chamado Charles Hinton o primeiro a desenvolver algumas técnicas para "visualizar" a Quarta Dimensão. Ele foi o primeiro a visualizar um Hipercubo (cubo na quarta dimensão), também conhecido como Tesseract. Para chegar lá, Hinton se deu conta que por mais que tentamos ver a quarta dimensão, só conseguimos enxergar as sombras dos objetos quadridimensionais no plano tridimensional. Usando a analogia do Flatland, ao arremessarmos um chatôlandes no espaço ele continuará a enxergar bidimensionalmente, ele só verá secções planas dos objetos espaciais. Mas ele pode visualizar a sombra dele no plano. Na figura ao lado na parte de cima mostra a sombra de um cubo no plano bidimensional e a sombra de um hipercubo no espaço tridimensional. Outra maneira de visualizar seria fazer um desdobramento do cubo sobre o plano. Na figura ao lado na parte de baixo mostra o desbobramento do cubo sobra um plano e o desdobramento de um hipercubo sobre o espaço.
     O conceito de quarta dimensão penetrou tão profundamente no clima intelectual do final do século XIX que até dramaturgos fizeram troça dele. Em 1891, Oscar Wilde escreveu uma sátira sobre histórias de fantasma, "The Canterville Ghost", que zomba das proezas de uma certa ingênua "Psychical Society" (uma referência à Society for Psychical Research). Wilde evocou um fantasma resignado que encontra os recém-chegados locatários americanos de Canterville. Escreveu ele: "Evidentemente não havia tempo a perder, assim, adotando precipitadamente a Quarta Dimensão do Espaço como um meio de escapulir, ele (o fantasma) desapareceu através dos lambris e a casa ficou tranquila".
     Uma contribuição mais séria para a literatura da quarta dimensão está nas obras de H. G. Wells. Em seu romance de 1894, A Máquina do Tempo, Wells combinou vários temas matemáticos, filosóficos e políticos. Popularizou uma nova ideia em ciência, a de que a quarta dimensão poderia também ser vista com tempo, não necessariamente como espaço:
"Claramente... todo corpo real deve ter extensão em quatro direções: deve ter Comprimento, Largura, Espessura e Duração. Mas por uma enfermidade natural da carna... somos propensos a não notar esse fato. Há na realidade quatro dimensões, três que chamamos de raias do Espaço, e uma quarta, o Tempo. Há, contudo, uma tendência a inferir uma distinção irreal entre as três primeiras dimensões e a última, porque ocorre que nossa consciência se move intermitentemente numa única direção ao longo da última desde o início até o fim de nossas vidas."
     No conto "The Plattner Story", Wells chegou a brincar com o paradoxo da lateralidade. Gottfried Plattner, um professor de ciências está realizando um elaborado experimento químico, mas seu experimento explode e o lança em outro universo. Quando ele volta do outro mundo para o seu, ele descobre que seu corpo foi alterado de uma curiosa maneira: seu coração está do lado direito e ele se tornou canhoto. Quando os médicos o examinam ficam estupefatos ao constatar que todo o corpo dePlattner foi invertido, uma impossibilidade biológica no mundo tridimensional: "A curiosa inversão dos lados direito e esquerdo de Plattner é a prova que ele foi transportado do nosso espaço para a Quarta Dimensão...". Em um mundo bidimencional, um chatôlandes pode ser arrancado do plano, jogado no espaço tridimensional, girado e posto de volta no plano, com seus lados invertidos.
    A Quarta Dimensão também entrou na arte dos anos 1890. Foi entre os cubistas que se desenvolveu a primeira e mais coerente teoria da arte baseada nas novas geometria. As pinturas de Picasso (ao lado) são um exemplo, mostrando a clara rejeição de perspectiva, com faces de mulheres vistas simultaneamente de vários ângulos. Em vez de um único ponto de vista, as suas pinturas mostram várias perspectivas, como se fossem pintadas por alguém da quarta dimensão. Certa vez Picasso foi abordado por um estranho que o reconheceu e perguntou: por que ele não podia desenhar as pessoas como elas realmente eram? Por que tinha de distorcer a aparência das pessoas? Picasso pediu então ao homem que lhe mostrasse fotografias de sua família. Depois de olhar atentamente, ele respondeu: "Ah dua mulher é realmente tão baixa e chata assim?" Para Picasso, qualquer imagem por mais realista que fosse, dependia da perspectiva do observador.
     Os pintores abstratos tentaram não só visualizar os rostos pintados quadridimensionalmente, como tentaram retratar o tempo como a quarta dimensão. Na pintura Nu descendo uma escada de Marcel Duchamp vemos uma representação borrada de uma mulher, com número infinito de suas imagens superpostas ao logo do tempo à medida que ela desce as escadas. É assim que uma pessoa quadridimensional perceberia as pessoas, vendo todas as sequencias de tempo simultâneamente caso o tempo fosse a quarta dimensão. E influenciado pelo Tesseract de Hinton, Salvador Dali pintou seu famoso quadro Christus Hipercubus (ao lado), que retrata Cristo sendo crucificado numa cruz quadridimensional.
   

     A quarta dimensão penetrou também na Rússia Czarista. Em Os Irmão Karamazov, de Fiodor Dotoiévski, o protagonista Ivan especula sobre a existência de outras dimensões e geometrias não-euclidianas durante uma discussão sobre a existência de Deus. Em razão de eventos históricos que se produziram na Rússica, a quarta dimensão iria desempenhar um curioso papel na Revolução Bolquevique.Esse estranho interlúdio na história da ciência é importante porque Vladmir Lenin iria participar do debate sobre quarta dimensão, que iria exercer poderosa influência sobre a ciência da ex-União soviética nos anos seguintes (pelos físicos russos, claro).
     Depois que o czar esmagou a revolução de 1905, uma facção chamada otzovistas se formou no seio do partido bolchevique. Eles sustentavam que os camponeses não estavam prontos para o socialismo; para prepará-los, os bolcheviques deveriam atraí-los por meio da religião e do espiritualismo. Para apoiar suas visões, os otzovistas faziam citações da obra do físico e filósofo Ernst Mach, que havia escrito eloquentemente sobra a quarta dimensão e a recente descoberta da radioatividade  Os otzovistas ressaltavam que a descoberta da radioatividade por Henri Becquerel e do rádio por Marie Curie em 1896 haviam inflamado um furioso debate nos círculos intelectuais. Parecia que a matéria, que os gregos pensarem ser eterno e imutável, agora podia se desintegrar lentamente, e a energia podia reaparecer. Novos experimentos mostraram que os fundamentos da física newtoniana estavam se esboroando. Para alguns Mach era um profeta que os iria retirar da barbárie. No entanto ele apontava para direção errada, rejeitando o materialismo e declarando que o espaço e tempo é produto de nossas sensações.
     Criou-se uma cisão entre os bolcheviques. Seu líder, Vladimir Lênin, ficou horrorizado. Fantasmas e demônios seriam compatíveis com o socialismo? Em 1908, exilado em Genebra, ele escreveu um imenso volume filosófico, Materialismo e Empirocriticismo, defendendo o materialismo dialético da violenta investida do misticismo e da metafísica. Para Lênin, o misterioso desaparecimento da matéria e energia não provava a existência de espíritos. Segundo ele isso significava que estava surgindo uma nova dialética que iria abarcar tanto a matéria quanto energia. Não mais seria possível vê-las como entidades separadas, como fizera Newton. Um novo princípio de conversação era necessário. (Lênin desconhecia que Einstein havia proposto o princípio correto três anos antes) Além disso Lênin questionou a aceitação pressurosa da quarta dimensão de Mach. Primeiro louvou Mach, que "levantou a questão muito importante e útil de um espaço de n dimensões como espaço concebível". Em seguida censurou por não ter enfatizado que somente as três dimensões podiam ser verificadas experimentalmente. A matemática pode explorar a quarta dimensão e o mundo do possível, e isso é bom, escreveu Lênin, mas o czar só pode ser derrubado na terceira dimensão!
     Lutando no campo de batalha da quarta dimensão e da nova teoria da radiação, Lênin precisou de anos para extirpar o otzovismo do partido bolchevique. Acabou contudo por vencer a batalha pouco antes da deflagração da Revolução de Outubro de 1917.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

O Fantástico Legado das Teorias


     Essa história está no livro "Deus é Matemático?", de Mário Lívio, e vai de encontro com um assunto que já estava sendo elaborado em outros post, a utilidade prática de certas pesquisas. Esse segundo tópico gerou bastante polêmica recentemente, com a notícia do Bóson de Higgs e o Acelerador de Partículas LHC, muitos perguntaram: "Porque gastaram bilhões de Euros para construir uma gigantesca máquina para descobrir uma minúscula partícula que sabe-se lá para que servirá? Porque não usam esse dinheiro para acabar com a fome, pesquisas sobre o doenças, etc...?".




     "A cafeteria estava lotada, com uma garoa fina e constante na Cambridge de 1684. Era uma boa cafeteria onde no final da tarde os amigos se encontravam para discutir política, governo, dinheiro e ciência. Em Cambridge ciência era uma das preocupações e discussões de cafeteria no século XVII. Fazia tempo que Edmund Halley não conversava com seu amigo Isaac Newton e tinha marcado com ele tomar um bom café e um chá para uma conversa descontraída. Halley era astrônomo prático, do dia-a-dia de observações em telescópio, preocupado em apontar e achar planetas e cometas. Newton já era conhecido pelo seu potencial matemático e considerado um teórico. Diferente dos tempos atuais, um teórico era bastante respeitado e levado a sério.
     Depois de falarem sobre os assuntos corriqueiros, de colocar as pautas de amigos em dia, Halley e o arquiteto Christopher Wren (1632-1723) que estava junto na cafeteria, comentaram que tinham deduzido a lei de Kepler sobre o inverso do quadrado da gravidade, mas ambos estavam desapontados pois, além de incompleta estava imprecisa. Planetas não eram perfeitamente encontrados nas posições calculadas. Eles estavam bastante envolvidos nesses cálculos praticamente todos os dias durante alguns anos, cada hora do dia dividida entre cálculos e telescópios.
     Para provocar Newton, Halley se gabou que o cálculo era muito difícil e então perguntou com uma segurança enorme ao amigo:" Meu caro Newton, será que você tem idéia de qual a forma da órbita de um planeta ou cometa?", já olhando para o colega Wren com ar de desdém. Ambos quase caíram da cadeira quando Newton respondeu: "Claro, é elíptica eu já demonstrei anos atrás em meus rascunhos! ".
     Era de se esperar (hoje em dia para nós) que isso seria possível pois, focados apenas em números e cálculos e menos em raciocínio tranquilo e constante, Halley e Wren se desviaram diversas vezes da rota e da percepção de seus próprios dados. Ficar o tempo todo focado em dados não leva a nada. Se você não usa o tempo para fazer aquilo que as pessoas dizem ser "perda de tempo" seus resultados são muito pobres. A ciência conhecida como básica é desprezada nos dias de hoje pois, os teóricos são tachados como pessoas que vivem no "mundo da lua". Essas pessoas são muito, mas muito mais importante do que as que estão apenas em posse dos dados.
     Por exemplo, poucos conhecem Tycho Brahe (1546-1601), um astrônomo amador, rico, que tinha um arsenal de dados de observação escondidos e nada tinha de conhecimento sobre a verdadeira rota dos planetas. Era um astrônomo de dados, um astrônomo de aquisição de dados, o dono do "home broker" antigo, mas não conhecia o funcionamento daquilo que tinha em mãos. Quem ficou mais conhecido e herdou a riqueza e conhecimento que estava nas mãos de Brahe foi Kepler, que herdou todos os dados após sua morte. Foi Kepler quem criou as leis do movimento orbital e colocou ordem no mundo astronômico que andava bagunçado por dados contraditórios. Foi Kepler quem mostrou o caminho correto para o entendimento da natureza do universo espacial.
     Isto é para mostrar que ficar postado na frente de uma tela ou pagar tufos de dinheiro para adquirir uma plataforma, não lhe garante sabedoria suficiente para desprezar os conhecimentos teóricos. Não significa que você não consiga adquirir conhecimentos teóricos, mas se assim desejar, terá que dispensar seu tempo da frente das telas on-line e de tabelas de dados o tempo todo.
     Quando Newton voltou para sua casa não encontrou o tal rascunho. Resultado: trabalhou como nunca para provar que as órbitas dos planetas eram elípitcas e de uma forma diferente da que tinha feito antes. Não gostou e conseguiu deduzir a primeira forma novamente. Como consequência, surgiu o livro que é considerado o fundador do Cálculo Diferencial e Integral de nome "Principia". Quanto a Halley ficou muito satisfeito pois, ajudou o amigo Newton e ainda a si próprio uma vez que descobriu a órbita correta do cometa que leva seu nome: cometa Halley.
     Ainda assim existirão aqueles que vão dizer: "coitado, trabalhou tanto e ganhou o que com isso?" Newton não ganhou só fama, mas ele foi só o presidente da casa da moeda da Inglaterra, cunhando o novo formato para a Libra. E para quem pensa em dinheiro como tudo, sim Newton ganhou dinheiro e um título de nobreza reconhecido como Sir Isaac Newton."

     Realmente a primeira vista, a descoberta do Bóson de Higgs não parece ter muita utilidade, mas o que sabemos o que essas descobertas e experimentos geraram de fruto no futuro? Assim como Cristóvão Colombo, não tinha nem ideia da gigantesca descoberta que lhe esperava do outro lado do oceano, quando se atirou com as 3 caravelas ao mar, e assim como Colombos, nossos grandes cientistas mal sabem o que lhe espera a cada pesquisa e descobertas. Há uma história famosa a respeito de Michael Faraday (já tenho um posto no forno para este gênio). Como sua fama se espalhara amplamente, ele era visitado com frequência por curiosos. Certa vez, perguntado para que servia seu trabalho, ele respondeu: "Para que serve uma criança? Ela cresce e vira um homem." Um dia, William Gladstone, então Ministro das Finanças, visitou Faraday em seu laboratório. Nada sabendo sobre ciência, Gladstone perguntou sarcasticamente a Faraday que utilidade as enormes geringonças elétricas que enchiam seu laboratório podiam ter para a Inglaterra. Faraday respondeu: "Sir, não sei para que fim essas máquinas serão usadas, mas tenho certeza da que um dia o senhor vai me fazer pagar impostos por elas." Atualmente, grande parte da riqueza mundial está investida no fruto dos esforços de Faraday.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Evolução Artificial da Seleção Natural

Olá doidos,
Essa excelente animação feita por Carlos Ruas, criador de "Um Sábado Qualquer", faz uma breve explicação sobre a Seleção Natural. Nem preciso dizer que ficou Genial. Já postei aqui outras animações    da série Quer que eu Desenhe, todos muitos bons.


E para quem se interessar pelo assunto, segue a dica de um podcast excelente (meu favorito) sobre esse interessantíssimo tema. Clique no link e baixe o "NERDCAST - N249 Evolução Artificial da Seleção Natural", e escute. Muita informação e risadas garantidas.
:)

PS: para que se animar a ouvir o nerdcast, começe a escutar a partir de 18 minutos, pois o início é uma chatíssima leitura de e-mails.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Dieta da cerveja

Maria Degolada
     Bom doidinhos. Neste post irei desmistificar a falácia que cerveja engorda. Muito pelo contrário, a cervejinha bem gelada ajuda a emagrecer. E para podermos compreender melhor essa teoria teremos que relembrar um conceito que aprendemos no colégio (quem não dormiu na aula) a Caloria (cal). Por definição, 1 Caloria é a quantidade de energia (calor) necessário para elevar em 1°C a temperatura de 1 grama de água (técnicamente 1 cal eleva 1g de água é de 14,5°C a 15,5°C, há uma pequena diferença em outras temperaturas, mas vamos desprezar). Ao usarmos Caloria para definir o valor energético de alimentos, nos referimos à quilocalorias, representado por CAL com "C" maiúsculo (1 Cal = 1kcal = 1.000 cal).
     E onde entra a cerveja nessa história???? Bom, se tomarmos uma Maria Degolada (é muito boa) estupidamente gelada, digamos a -4°C (conforme as geladeiras mentirosas de bar), nosso corpo irá gastar 40 cal para elevar cada grama da ceva até a temperatura do nosso corpo, 36°C arredondando. Como 1 litrão de ceva tem 1.000g, então gastamos 40 x 1.000 = 40 Cal, ao abrirmos a segunda garrafa vamos pra 80 Cal. Isso sem contar nas calorias gastas no ato de abrir a garrafa e se levantar pra ir ao banheiro. Infelizmente essas calorias gastas são compensadas pelas batatinhas fritas do bar e a costela gorda do churras. Na verdade a caloria da própria cerveja já compensa essa energia gasta. Mas pelos menos já temos uma boa desculpa pra tomar umas :)

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Simulacro e Simulações

Em 1981 o ilustre sociólogo francês Jean Baudrillard escreve um de seus livros mais inovadores Simulacros e Simulação. Simulacro, do latim para similaridade. Baudrillard afirma que em nossa sociedade atual, nós substituímos toda nossa realidade por símbolos e imagens. Toda a experiência humana hoje é uma simulação do real. Nós estamos tão aficionados pelos simulacros que a realidade se tornou só um vestígio, é algo tão irreal quanto a simulação. A realidade deixou de existir, e passamos a viver uma representação da realidade, na sociedade pós-moderna, difundida pela mídia. A imprensa, televisão, filmes, internet, o valor do dinheiro, urbanização e o processo industrial nos afasta da condição natural do mundo. Nós estamos simulando coisas que não existem. Irônico, mas com fundamentos, Baudrillard defende que que vivemos em uma era em que os símbolos tem mais força e peso que a própria realidade. Desse fenômenos nascem os simulacros, simulações malfeitas do real, que são mas atraentes que próprio objeto reproduzido.

O escritor argentino Jorge Luís Borges mostra brilhantemente este fenômeno em um poema chamado Do Rigor na Ciência:
"Naquele Império, a arte da cartografia logrou tal perfeição que o mapa de uma única província ocupava toda uma cidade, e o mapa do Império toda uma província. Com o tempo, esses mapas desmedidos não satisfizeram e os colégios de cartógrafos levantaram o mapa do império, que tinha o tamanho do império e coincidia pontualmente com ele. Menos adictas ao estudo da cartografia, as gerações seguintes entenderam que esse dilatado mapa era inútil e não sem piedade o entregaram à inclemência do sol e do inverno. Nos desertos do oeste perduram despedaçadas ruínas do mapa habitadas por animais e por mendigos. Em todo país não há outra relíquia das disciplinas cartográficas."
Ou seja, o Império fez um mapa 1:1 do Império (na verdade tomo mundo morreu soterrado no mapa gigante) e o Império passou a ser o próprio mapa . Ele queria um mapa tão perfeito, que a única forma da simulação ser perfeita era tornar realidade a simulação. Ou seja, o Império transformou a realidade deles em uma simulação. Quando o povo perdeu o interesse pela simulação, eles largaram de mão, só que a simulação tinha se tornado a realidade deles, e o Império foi pra ruína. Hoje em dia a simulação tornou-se tão importante em nosso mundo que as pessoas estão esquecendo da realidade, da base dessas simulações. Atualmente nós estamos tão viciados em nossas simulações que criamos do mundo real. O valor do dinheiro do país, que antigamente era por ouro, hoje é por credito, a crise que vivemos hoje é fruto dessas simulações, a soma das linha de créditos mundiais é maior que o PIB Mundial. É tudo uma ilusão, uma bolha gigantesca. Nós estamos nos enfiando na Caverna de Platão, adorando ver as sombras na parede.

Em seu livro, Jean Baudrillard argumenta que as sociedades ocidentais passaram por uma precessão de simulacros, onde temos o original e as três ordens de simulacros: a imitação, a produção (cópia mecânica) e, por fim, a etapa final, a simulação, onde interagimos com os símbolos/representações/imagens/ícones, achando que é o original.

Simulacros e Simulações influenciou grandes pensadores, e inspirou vários filmes, como Truman Show, Cidades dos Sonhos e Matrix. Na opinião do autor, Matrix fez uma interpretação ingênua do seu livro, por isso não gostou do filme. Em suas entrevistas sobre o filme, Keanu Reeves afirma ter lido o livro. Os diretores do filme, os irmão Wachowskis, convidaram Baudrilliard para participar como consultor filosófico das duas sequências, mas ele recusou o convite afirmando: "Como poderia? Não tenho nada a ver com Kong Fu. Meu trabalho é discutir idéias em ambientes apropriados para isso. Se leram o livro, não entenderam nada." Diferentemente do filme Matrix, em seu livro a diferença entre o real e o irreal é muito mais sutil. Não deixa o mundo real de um lado e o virtual do outro. Já nos filmes Truman Show e cidade dos Sonhos, os realizadores perceberam que a diferença entre uma coisa e outra é menos evidente.

Jean Baudrillard, pensador francês falecido em 2007, afirmava categoricamente que a chamada Guerra do Golfo (1991) não existiu. Para ele, o que a TV americana mostrou, em especial a CNN e Peter Arnett, foi um grande vídeo-game. À luz dos fatos, a investida militar dos americanos no Iraque durou menos de um mês. Ela se resumiu a um intenso bombardeio aéreo sobre a cidade de Bagdá, o qual o Pentágono chamou de "Operação Tempestade no Deserto", um bombardeio "cirúrgico" que preservou a patrimônio histórico/cultural da cidade. Depois de alguns dias, a infantaria se encarregou de fazer o resto da "limpeza". Ao todo, apenas 36 soldados americanos morreram no "conflito". Para Baudrillard, a Guerra do Golfo não aconteceu e nunca existiu, pelo menos nos moldes convencionais. Foi uma criação da mídia.

A Disneylândia é um modelo perfeito de todos os tipos de simulacros confundidos. É um dos exemplos que o autor analisa em seu livro. Mas aqui quero falar de alguns movimentos sociais. Irei usar aqui dois exemplos o movimento Punk, e mais recente os Emos. O movimento Punk surgiu em Londres, por pessoas que se vestiam como queriam. Não queriam criar moda, apenas serem eles mesmo. Não havia um esteriótipo punk. Mas após o surgimento de algumas bandas, e alguns ídolos como Sid Vícius e as pessoas pensaram: Ei, esse é meu ideal! E a partir daí o movimento Punk (símbolo) nasceu, quando o Punk (original) morreu, ou desapareceu. A pessoas preferiram os símbolo ao original, e o perpetuaram através de ritos (gírias, moda, relações sociais...) como qualquer outra cultura de massa. E os Emos, por se considerarem mais sensíveis e por isso incompreendidos, se isolaram, à margem da sociedade. Então surgiram as bandas de músicas Emos. Dezenas se encontram shoppings e parques. Pessoas que pensam iguais, mesmas roupas, mesmo cabelo com chapinha e se entendem. Então por que diabos continuam alimentando a idéia de serem sozinhos e tristes???

Oque dizer então da religiões? O mesmo tipo de controle foi e está sendo aplicado à Religiões. O Islamismo está sendo caricaturizado através de ícone, e pela falta de um grande líder espiritual, a grande nação Islâmica faz um um silêncio vergonhoso perante a mídia. Bom, e quanto à Jesus, que há muito perdemos o Jesus original e ganhamos um símbolo dele na cruz. Tivemos algumas belas imitações (1° Fase), acabamos por consumir a reprodução em massa desse símbolo (2° Fase), e agora já tomamos este pelo original. Um belo Case de Sucesso.

"Livre do real, você pode fazer algo mais real que o real: o hiper-real”
 (Jean Baudrillard).

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Um Pálido Ponto Azul

Última foto tirada pela Voyager 1

Ao passar pela órbita de Saturno, a pedido de Carl Sagan, a Sonda Voyager 1 voltou-se para trás e tirou várias fotos do sistemas solar, uma delas é a foto a foto acima, que mostra um pálido ponto azul, a nossa Terra. Do tamanho de um pixel azul, suspensa num raio de sol refletida pela sonda, ela se encontrava a 6,4 bilhões de quilometros da Terra, nos confins do sitema solar. Toda a história humana aconteceu neste pequeníssimo ponto azul.
O Texto abaixo só poderia ser é do único Astrônomo capaz de se comunicar com o público, Carl Sagan:
"A espaçonave estava bem longe de casa. Eu pensei que seria uma boa idéia, logo depois de Saturno, fazer ela dar uma última olhada em direção de casa. Desde Saturno, a Terra apareceria muito pequena para a Voyager apanhar qualquer detalhe: nosso planeta seria apenas um ponto de luz, um "pixel" solitário. Dificilmente distinguível de muitos outros pontos de luz que a Voyager avistaria: planetas vizinhos, sóis distantes. Mas, justamente por causa dessa imprecisão de nosso mundo assim revelado... valeria a pena ter tal fotografia.
Já havia sido bem entendido por cientistas e filósofos da antiguidade clássica, que, a Terra era um mero ponto em um vasto cosmos circundante. Mas ninguém jamais a tinha visto assim. Aqui estava nossa primeira chance. E talvez a nossa última, nas próximas décadas.
Então, aqui está — um mosaico quadriculado estendido em cima dos planetas, e um fundo pontilhado de estrelas distantes. Por causa do reflexo da luz do sol na espaçonave, a Terra parece estar apoiada em um raio de sol, como se houvesse alguma importância especial para esse pequeno mundo — mas é apenas um acidente de geometria e ótica. Não há nenhum sinal de humanos nessa foto. Nem nossas modificações da superfície da Terra, nem nossas máquinas, nem nós mesmos. Desse ponto de vista, nossa obsessão com o nacionalismo não parece em evidencia. Nós somos muito pequenos. Na escala dos mundos, humanos são irrelevantes — uma fina película de vida num obscuro e solitário torrão de rocha e metal. 
Olhem de novo para esse ponto. Isso é a nossa casa, isso somos nós. Nele, todos a quem ama, todos a quem conhece, qualquer um dos que escutamos falar, cada ser humano que existiu, viveu a sua vida aqui. O agregado da nossa alegria e nosso sofrimento, milhares de religiões autênticas, ideologias e doutrinas econômicas, cada caçador e colheitador, cada herói e covarde, cada criador e destruidor de civilização, cada rei e camponês, cada casal de namorados, cada mãe e pai, criança cheia de esperança, inventor e explorador, cada mestre de ética, cada político corrupto, cada superstar, cada líder supremo, cada santo e pecador na história da nossa espécie viveu aí, num grão de pó suspenso num raio de sol.
A Terra é um cenário muito pequeno numa vasta arena cósmica. Pense nos rios de sangue derramados por todos aqueles generais e imperadores, para que, na sua glória e triunfo, vieram eles ser amos momentâneos duma fração desse ponto. Pense nas crueldades sem fim infligidas pelos moradores dum canto deste pixel aos quase indistinguíveis moradores dalgum outro canto, quão frequentes as suas incompreensões, quão ávidos de se matar uns aos outros, quão veementes os seus ódios.
As nossas exageradas atitudes, a nossa suposta auto-importância, a ilusão de termos qualquer posição de privilégio no Universo, são reptadas por este pontinho de luz frouxa. O nosso planeta é um grão solitário na grande e envolvente escuridão cósmica. Na nossa obscuridade, em toda esta vastidão, não há indícios de que vá chegar ajuda de algures para nos salvar de nós próprios.
A Terra é o único mundo conhecido, até hoje, que alberga a vida. Não há mais algum, pelo menos no próximo futuro, onde a nossa espécie puder emigrar. Visitar, pôde. Assentar-se, ainda não. Gostarmos ou não, por enquanto, a Terra é onde temos de ficar.
Tem-se falado da astronomia como uma experiência criadora de firmeza e humildade. Não há, talvez, melhor demonstração das tolas e vãs soberbas humanas do que esta distante imagem do nosso miúdo mundo. Para mim, acentua a nossa responsabilidade para nos portar mais amavelmente uns para com os outros, e para protegermos e acarinharmos o ponto azul pálido, o único lar que tenhamos conhecido." 

-Carl Sagan