segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Guerra da Ciência: Santos-Dumont x Irmãos Wright

    Bom pessoal, inspirado no livro Guerra do Cálculo, decidi criar esse post sobre outro grande duelo que existiu entre esses três gênios: a invenção do avião. As invenções que mudam o curso da história não costumam surgir da noite para o dia. São resultado do trabalho árduo de diversos inventores e cientistas, que preparam o terreno para uma descoberta revolucionária. Entretanto, o crédito costuma ir para apenas uma pessoa, que por inventividade, gênio ou até por sorte, acaba dando o passo decisivo. A ele ou ela estão garantidas todas as glórias. Às vezes, porém, é difícil determinar quem merece ter seu nome imortalizado. É o caso da disputa entre Alberto Santos Dumont e os irmãos Wilbur e Orville Wright.
    Alberto Santos Dumont nasceu em Palmira, Minas Gerais, no ano de 1873, e foi um aeronauta, esportista e inventor brasileiro. Filho de Henrique Dumont, de ascendência francesa e engenheiro de obras públicas, e de Francisca Santos-Dumont, filha de uma tradicional família portuguesa. Com Alberto ainda pequeno a família se mudou para Valença e passou a se dedicar ao café. Em seguida seu pai comprou a Fazenda Andreúva a cerca de 20 km de Ribeirão Preto, interior de São Paulo. Ali, o pai de Alberto logo percebeu o fascínio do filho pelas máquinas da fazenda e direcionou os estudos do rapaz para a mecânica, a física, a química e a eletricidade. Ao ler as obras do escritor francês Júlio Verne, nasceu em Santos Dumont o desejo de conquistar o ar. Os submarinos, os balões, os transatlânticos e todos os outros meios de transporte que o fértil romancista previu com tanta felicidade exerceram uma profunda impressão na mente do rapaz.
     Em 1891, Alberto, então com 18 anos e emancipado, foi para a França completar os estudos e perseguir o seu sonho de voar. Ao chegar em Paris, admirou-se com os motores de combustão que começavam a aparecer impulsionando os primeiros automóveis e comprou um para si. Logo Santos-Dumont estava promovendo e disputando as primeiras corridas de automóveis em Paris. Com a morte do pai, um ano depois, o jovem Santos-Dumont sofreu um grande abalo emocional, mas continuou os estudos na Cidade-Luz. Em 1897 fez seu primeiro vôo num balão alugado. Um ano depois, subia ao céu no balão Brasil, construído por ele. Mas procurava a solução para o problema da dirigibilidade e propulsão dos balões. Projetou então o seu número 1, com forma de charuto, com hidrogênio e motor a gasolina.
     No dia 20 de setembro de 1898 realizou o primeiro vôo de um balão com propulsão própria. No ano seguinte voou com os dirigíveis número 2 e número 3. O sucesso de Santos-Dumont chamou a atenção do milionário Henry Deutsch de la Muerte que no dia 24 de março de 1900 ofereceu um prêmio de cem mil francos a quem partisse de Saint Cloud, contornasse a torre Eiffel e retornasse ao ponto de partida em 30 minutos. Santos-Dumont fez experiências com os números 4 e 5. Em 19 de outubro de 1901 cruzou a linha de chegada com o número 6, mas houve uma polêmica graças a um atraso de 29 segundos. Em 4 de novembro o Aeroclube da França declarou-o vencedor. Além do Prêmio Deutsch recebeu do presidente Campos Salles outro prêmio no mesmo valor e uma medalha de ouro.
      Em abril de 1902 Santos Dumont viajou para os Estados Unidos onde visitou os laboratórios de Thomas Edison e foi recebido pelo presidente Theodore Roosevelt. Em 23 de outubro de 1906, no Campo de Bagatelle, o 14-Bis voou por uma distância de 60 metros, a três metros de altura e conquistou a Taça Archdeacon. Uma multidão de testemunhas assistiu a proeza e no dia seguinte toda a imprensa louvou o fato histórico. O dinheiro do prêmio foi distribuído para seus operários e os pobres de Paris, como era o costume do inventor. Em 12 de novembro de 1906, na quarta tentativa, conseguiu realizar um vôo de 220 metros, estabelecendo o primeiro recorde de distância e ganhando o Prêmio Aeroclube. Santos-Dumont não ficou satisfeito com os números 15 a 18 e construiu a série 19 a 22, de tamanho menor, chamadas Demoiselles.
     Cansado e com a saúde abalada, Santos-Dumont realizou seu último vôo em 18 de setembro de 1909. Depois fechou sua oficina e em 1910 retirou-se do convívio social. Em agosto de 1914, a França foi invadida pelas tropas alemãs. Era o início da Primeira Guerra Mundial. Aeroplanos começaram a ser usados na guerra e Santos Dumont amargurou-se ao ver sua invenção ser usada com finalidades bélicas. Em 1932, explodiu a Revolução Constitucionalista, quando o Estado de São Paulo se levantou contra o governo de Getúlio Vargas. Isso incomodava a Santos-Dumont, que lançou apelos para que não houvesse uma guerra civil. Mas aviões atacaram o campo de Marte, em São Paulo, no dia 23 de julho. Possivelmente esse fato pode ter piorado a angústia de Santos Dumont, que nesse dia suicidou-se, aos 59 anos de idade, sem deixar descendentes.
      Pioneiros da aviação norte-americana, Wilbur Wright nasceu em Millville, Indiana em 1867, e Orville Wright, em Dayton, Ohio em 1871 . Os dois irmãos, que possuíam uma oficina de bicicletas em Dayton, lançaram-se à construção de planadores, entusiasmados pelos ensaios realizados por Otto Lilienthal, na Alemanha, e Chanute e Langley, nos EUA. O interesse de ambos pelo assunto surge em 1896, quando Wilbur lê sobre a invenção do alemão Otto, uma máquina que se levantava do chão - na qual seu criador morre. No início de 1899, Wilbur teoriza sobre como controlar um avião ao observar o vôo dos abutres. Nesse mesmo ano, os irmãos criam o primeiro planador. 
     A experiência com planadores permite-lhes construir a série de máquinas com motor Flyer a partir de 1903. Segundo um diário que então escreveram, os irmãos Wright voaram num aeroplano chamado "Flyer", com motor de 12 c.v., a 17 de dezembro de 1903, em Kitty Hawk na Carolina do Norte. O diário registra três outros vôos com o mesmo aparelho, dos quais um de 59 segundos à velocidade de 50 km/h. Conseguem voar por mais de meia hora em 1905, com a Flyer III, capaz de realizar várias manobras no ar.
     Os irmãos Wright tentaram vender sua aeronave ao Exército dos EUA em 1905; depois ao governo francês em 1906; e, posteriormente, a um grupo de industriais. Não obtiveram sucesso. Em 1907 foram à Europa, onde prosseguiram as negociações para a venda do invento. Somente em 1908 realizaram experiências públicas de vôo no Velho Mundo. Daí em diante, obtiveram grandes sucessos. O Exército norte-americano aceitou, finalmente, o avião em 1909, mas só anos depois é que os irmãos Wright passaram a ser considerados pelo governo dos EUA como inventores do aeroplano. A primeira morte ocorrida em um acidente aeronáutico, a do Tenente Thomas E. Selfridge, foi com um avião fabricado pelos Irmãos Wright. Orville Wright faleceu em Dayton em 1948 enquanto que Wilbur, em 1912, na mesma cidade.
     O vôo do Flyer 1 é reconhecido na maioria dos países do mundo e pela Fédération Aéronautique Internationale como o primeiro de um aparelho voador controlado, "mais pesado que o ar". Para brasileiros e franceses, no entanto, a primazia do invento cabe ao brasileiro Alberto Santos-Dumont. Apesar do reconhecimento há polêmicas quanto a ser o vôo do Flyer 1 o primeiro controlado, principalmente em vista de outros engenhos, anteriores ao Flyer 1, também foram controlados, não autopropelidos. O primeiro aparelho voador mais pesado que o ar foi inventado pelo francês Clément Ader em 1890. No entanto, não permitia controlar a direcção do vôo.
     O vôo do Flyer 1 não ocorreu na presença de testemunhas, não caracterizando portanto um evento com credibilidade pública, ao contrário do vôo do 14-Bis de Santos Dumont. O feito dos irmãos americanos não teve o reconhecimento público imediato porque não foi presenciado por muitas testemunhas, apenas por alguns salva-vidas e um agente dos correios. Era uma época em que vários inventores de diversos países estavam tentando criar a primeira aeronave mais pesada do que o ar capaz de voar com sucesso. Os Irmãos Wright não queriam derramar informações ao seu principal rival Samuel Pierpont Langley.
     Evidências indiscutíveis, como fotografias dos vôos, correspondências trocadas pelos irmãos e anotações técnicas detalhadas, consagraram-nos no mundo como os primeiros a voar. Com um porém: o avião dos irmãos Wright não decolava por meios próprios, mas catapultado mecanicamente, isto é, com auxílio de equipamento de lançamento. Como não tinha rodas, nos primeiros testes, em 1903, era preciso usar um trilho para ganhar velocidade e contar com a ajuda do vento contrário para se erguer no ar. Mais tarde, em 1904, os irmãos acoplaram ao trilho uma catapulta, o que encurtou a extensão do trajeto a ser percorrido e diminuiu a dependência do vento. Apostavam que as rodas eram um peso desnecessário e que usar um trilho era mais prático do que encontrar um longo campo plano para decolar.
     A partir de 1906, os Wright se envolveram numa série de disputas de patentes. Depois da morte de Samuel P. Langley , outro pioneiro da aviação, e de Santos Dumont ter realizado seu feito em Paris, começou a discussão de quem seria o verdadeiro "Pai da Aviação". Os irmãos Wright só apareceram ao público em 1908, com uma aeronave mais avançada que qualquer outra existente, reivindicando o título de pioneiros da aviação mundial. Mas até 1910, todos os aparelhos dos Wright necessitavam de uma catapulta ou vento intenso em uma pista em declive, enquanto o aparelho de Santos Dumont saia do chão por seus próprios meios, voava de forma controlada e pousava tranquilamente.
     Mas, afinal, quem é o pai dessa criança? No meio de tantas evidências de todos os lados, a criança (no caso o avião) não tem um "pai". Tem vários.
     No dia 23 de outubro de 1906, Alberto Santos-Dumont, mineiro de nascimento, parisiense de adoção, decolou com um aparelho mais pesado que o ar. Seu 14-Bis, uma geringonça de 290 quilos e com um motor de 50 cavalos, subiu a uma altura de quase três metros no Campo de Bagatelle, em Paris, e voou 60 metros. Foi o primeiro vôo feito em público e num aparelho que saiu do chão e pousou por meios próprios ("pousou" em termos; na verdade, o 14-Bis desceu bruscamente e quebrou as rodas). O feito lhe valeu um prêmio de 3.000 francos, instituído por Ernest Archdeacon para quem voasse mais de 25 metros.
     Em 17 de dezembro de 1903, Orville e Wilbur Wright haviam voado 260 metros com seu Flyer, uma aeronave improvável de 300 quilos e com um motor de 12 cavalos, que decolara de uma colina. O feito, sem testemunhas, foi comunicado por telegrama. Até Santos-Dumont reconheceu que não seria possível em 1908 que os Wright não tivessem uma experiência grande de vôo anteriormente, porque, quando os europeus estão voando 10 quilômetros e ficando 15 minutos no ar, o avião dos Wright fica mais de duas horas no ar. Então eles já faziam isso antes, como estavam falando.
     Na comparação, do ponto de vista aerodinâmico, o avião brasileiro sai perdendo. Baseado no conceito das células de Hargrave (caixotes vazados como em pipas japonesas), o 14 Bis acabou ultrapassado. Porém, trouxe inovações importantes: o trem de pouso e os ailerons, que permitem a inclinação para os lados, conferindo maior estabilidade. E há quem defenda que a aeronave dos Wright sequer possa ser considerada um avião. O que eles inventaram não passa de um planador motorizado. Muita gente se surpreende ao saber sobre a catapulta.
     O título de "inventor do avião" poderia ser dividido entre muita gente. Como o alemão Otto Lilienthal, morto em 1896 num vôo de planador. Como Gabriel Voisin e Louis Blériot, o primeiro a voar sobre o canal da Mancha, em 1909. Se os irmãos Wright foram os primeiros, Santos-Dumont fez mais pela aviação. Foi ao brasileiro que a irradiação original da aeronáutica se deveu, portanto, se a alcunha de "pai do avião" é exagero, a de "pai da aviação" é justíssima.
     A polêmica está cercada de ufanismo, e é provável que jamais possamos dizer com certeza quem foi o primeiro homem a voar. Porém, há um fato curioso. Quase 100 anos depois do feito de Santos Dumont, o 14 Bis voltou a ganhar os céus. Ou quase: trata-se de uma réplica, construída pelo coronel paulista Danilo Flôres Fuchs, que pilotou seu avião diversas vezes, inclusive uma em São Paulo, em 1989, e outra em Paris, em 1991. “Ele é bastante estável e é possível atingir distâncias maiores de 1 quilômetro”, diz Fuchs. Nos EUA, sonha-se fazer o mesmo com o Flyer. Existe até uma fundação, a Discovery of Flight Foundation, que se dedica a estudar a façanha dos Wright, construindo réplicas e tentando fazê-las voar. Até hoje, não conseguiram.

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